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Crónica de Abílio Amiguinho: “Um território habitável”

Perturbam-me as alusões frequentes a um tal interior onde nos colocam, permanentemente à espera, supostamente, de um litoral que nos valha e nos salve. Abílio Amiguinho, professor catedrático jubilado | Opinião

Confesso que nunca tive muito jeito para lamúrias. Preferi sempre meter mãos à obra, procurando fazer das fraquezas forças, e através, primeiro, de uma mudança de lente, ver que nos obstáculos também pode haver recursos. Cansa-me, pois, aquele discurso e a narrativa ou narrativas que o enformam, que, recorrentemente, se enche de perdas e de impossibilidades. A população que perdemos, o envelhecimento demográfico avassalador, os investimentos estruturantes que não chegam, a indústria que não temos, os políticos que não nos ligam, os poucos representantes que temos na Assembleia da República e por aí adiante.

Por isso perturbam-me as alusões frequentes a um tal interior onde nos colocam, permanentemente à espera, supostamente, de um litoral que nos valha e nos salve. Como tal, saúdo, principalmente os geógrafos, que preferem falar de região de baixa densidade.

Bem sei que as designações em nada mudam as coisas, mas podem ajudar a vê-las e a percebê-las de outro modo. Sobretudo acreditar que a baixa (densidade) pode deixar de o ser, enquanto o interior nunca mais vai sair do sítio, permanecendo como um condenado. Baixa densidade, parece-me a mim, remete para uma dinâmica, apesar dela. Onde há (ou havia) os que saem, mas também os que ficam, ou foram ficando, e os que vêm e podem vir.

Julgo que é, em parte, por não se verem as coisas deste modo, que nos agarrámos a possibilidades em que só se vêem os territórios como visitáveis e não como habitáveis. É o que acontece quando se enfatiza o potencial económico do turismo e com razão. Mas isso não pode quase fazer esquecer o resto.

Em torno de uma ideia de projeto para São Mamede, numa parceria da Cooperativa Operária Portalegrense com a Fundação Agha Kan, mobilizando outros parceiros, ficámos a saber que o Parque Natural da Serra de São Mamede é o mais povoado dos Parques Naturais e um dos dez mais visitados do país. Nada mau para um território de baixa densidade.

Este dado integra uma “história” recente que procurámos reconstruir, muito mais em torno do que temos e fazemos, do que daquilo que perdemos. Sente-o quem vive na Serra, como eu e outros que para cá viemos ou que ficaram, depois do grande incêndio de 2003. Familiares que retornaram, nacionais – alguns nómadas digitais – e muitos estrangeiros.

Todos eles demonstrando que este território é habitável, com notáveis pergaminhos e fruir da terra e da paisagem que não o torna apenas visitável. À diversidade da natureza soma-se agora a diversidade social e cultural. O conceito de baixa densidade procura captar isto mesmo e, principalmente, o que está a acontecer, onde se su- põe que nada acontece.

Longe vai o agoiro de temidas descaracterizacões do espaço. Pelo contrário, são muito visíveis os sinais de respeito e preservação do que é nosso, surpreendendo a forma como parecem sempre cá ter vivido, demonstrando preocupações e ações de sustentabilidade ambiental, social e económica. Pode haver exceções – há sempre – mas prefiro ver as coisas por este lado. Pena que até o Estado Local autárquico me pareça pouco atento a esta realidade.

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