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Cresceu com as uvas e com o vinho. Perfil do enólogo Óscar Gato

Filho e neto de viticultores, Óscar Gato trabalhou na certificação dos vinhos do Alentejo, no controlo de produção e é, desde há quase 20 anos, responsável pela enologia da Adega Cooperativa de Borba, fundada em abril de 1955.

Luís Godinho (texto) e Luís de Matos (fotografia)

De que falamos quando falamos do vinho do Alentejo? “Isso não existe”, diz Óscar Gato, há quase 20 anos a exercer funções como diretor técnico e de enologia da Adega Cooperativa de Borba. “O Alentejo tem muitos vinhos diferentes, há muitos perfis de vinho e, com algum cuidado de análise, vê-se logo que uma região tão vasta tem [obrigatoriamente] de produzir vinhos muito diversos”, refere.

Em primeiro lugar porque se trata de um terço do país. Depois, porque a orografia, o clima e os solos não são uniformes. “Muita gente desconhece que aqui em Borba, naquilo a que chamamos o planalto alentejano, temos vinhas a 450 metros de altitude”, sublinha Óscar Gato, acrescentando que nem é preciso sair da zona da Serra d’Ossa para encontrar variações: “Na encosta sul temos as vinhas de Redondo, plantadas a uma altitude mais baixa, já as de Borba estão na encosta norte, mais acima do nível do mar”.

E depois há a região de Granja/Amareleja, com pouca chuva e temperaturas elevadas, enquanto que em linha reta, no litoral, a humidade e temperaturas mais amenas, em conjunto com solos diferentes, originam vinhos com um perfil muito distinto. Por falar em solos, há os calcários da região de Borba/Estremoz, os mais xistosos na Serra d’Ossa, ou os argilosos no Alto Alentejo, na Serra de São Mamede, mais produtivos. “Tudo é diferente”. E tudo contribui para que se produzam vinhos com características muito distintas.

Tomemos como exemplo uma das principais castas alentejanas, a Roupeiro. “Uma vinha de Roupeiro instalada num solo de xisto junto à Serra d’Ossa originará sempre uvas diferentes do que outra plantada num terreno argiloso do Alto Alentejo”. Não serão melhores, nem piores, serão diferentes, como diferente será o vinho que irão produzir.

Em todo o caso, mesmo sem se poder falar da existência de um vinho do Alentejo, porque existem na região vinhos “para todos os gostos e perfis”, a denominação “Alentejo” constitui uma “mais-valia” que ajuda a vender e a conquistar consumidores, desde logo porque são os vinhos com maior quota de mercado a nível nacional. E isso, os produtores de outras regiões que nos desculpem, não é uma simples moda. Ou melhor, talvez seja.

“As Adegas Cooperativas”, lembra Óscar Gato, “impulsionaram um salto qualitativo enorme nos vinhos produzidos no Alentejo, que passaram a estar na moda. Mas já lá vão quase 30 anos e continua a dizer-se que os vinhos alentejanos estão na moda. Nada disso é por acaso, deve-se muito ao investimento feito pelos produtores da região, cooperativas incluídas, na aquisição de novos equipamentos e na reestruturação das vinhas”.

As modas passam depressa, mas a do vinho alentejano teima em ficar. Olhemos para as vinhas. Há 40 anos, ainda seria possível encontrar áreas de vinha com castas misturadas, “com um pouco de sorte até veríamos explorações com castas brancas e tintas”, mas depois surgiu a Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo, em 83, seguida da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), em 89, e o setor “transformou-se” por completo. Ganhou escala e profissionalizou-se, conquistando quota de mercado.

Em boa verdade, Óscar Gato foi um dos obreiros dessa “revolução”. Nascido nos Arcos, concelho de Estremoz, descendente de viticultores – “o meu pai era viticultor e produtor de vinho, o meu tio também, já o meu avô o havia sido” – cresceu “com as uvas e com o vinho”, estudou, licenciou-se em Engenharia Agrária pela Universidade de Évora e, sem surpresa, acabou por enveredar pela área da vinha. Completados os estudos, foi convidado para entrar num processo de certificação do material vegetativo (porta enxertos e castas) das videiras, na Plansel, em Montemor-o-Novo. Por lá ficou quatro anos, e é seu o primeiro clone homologado em Portugal, da casta Fernão Pires.

Já com formação mais específica, designadamente “em perfil sensorial de vinho”, acabou por entrar na Câmara de Provadores da CVRA, que certifica os vinhos com Denominação de Origem e Regional Alentejano, acabando por trabalhar durante 15 anos nesta instituição, com funções ao nível da certificação e do controlo de produção.

Quis o destino que, em 2002, rumasse a Borba, primeiro para integrar a administração da Adega, numa lista liderada por Mota Barroso, professor na Universidade de Évora, depois como responsável pela enologia. “Profissionalizámos os serviços da cooperativa e, a determinada altura, era necessário encontrar um enólogo. O enólogo apareceu: fui eu”.

De então para cá, a Adega cresceu, investiu, conquistou mercado. Hoje, os 250 sócios “em produção” têm plantadas 38 variedades de uvas. Às tradicionais da região (como Roupeiro, Rabo-de-Ovelha, Aragonez, Trincadeira ou Alicante Bouschet) somam-se outras, como Merlot, Viognier ou Chardonnay. A produção, este ano, chegou aos 19 milhões de quilos de uva, que irão originar cerca de 14 milhões de litros de vinho.

Não foi um ano fácil. Primeiro percebeu-se que havia uva na vinha, o que é um bom sinal, mas depois veio o mês de maio, com temperaturas muitas elevadas, o que acelerou a floração e fez temer pela produção. No entanto, “houve vingamento”, ou seja, surgiram os bagos de uva, e a chuva de junho “foi uma excelente rega”, que possibilitou uma “boa resposta” por parte das plantas. Daí a existência de um ano mais produtivo que o de 2022, com um crescimento na ordem dos 30%.

“Temos dois vinhos grande reserva, quatro reservas, garrafeiras, uma dúzia de vinhos com perfis totalmente diferentes. O nosso desafio é estarmos atento ao que o consumidor valoriza, e estar cá para equilibrar a balança entre a oferta e a procura”, diz Óscar Gato. O “porta-aviões” da Adega de Borba continua a ser o tinto “rótulo de cortiça”, um reserva lançado pela primeira vez em 1964.

O contrarrótulo dessa edição não o refere, mas sabendo-se que a Adega foi criada em 1955 e que a primeira produção ocorreu na campanha de 1957/58, não será incorreto deduzir que esse primeiro “rótulo de cortiça” foi feito com Alicante Bouschet, Piriquita (ou Castelão, como hoje é conhecida a casta), Trincadeira, “algum” Aragonês e Cabernet Sauvignon. “A partir do momento em que aqui chegámos, agarrámos nas castas tradicionais para o fazer: Aragonês, Trincadeira, Castelão e Alicante Bouschet”, diz Óscar Gato.

Uma parte do vinho estagia em barrica, outra em tonel. “Passado um ano acabamos por selecionar os vinhos que melhor se adaptem ao perfil que pretendemos: alguma estrutura, equilíbrio, frescura sem ser em excesso, elegância”. Em média, a cada 10 anos surgem quatro colheitas que originam um “rótulo de cortiça”.

Outra aposta chama-se “Senses”, gama dedicada aos vinhos cuja sua produção provem de uma única casta, de forma a guardar em garrafa “as melhores características e sensações” de cada variedade de uvas, seja Viognier, “que nos permite perceber os frutos amarelos com caroço, como o pêssego ou o alperce”, ou Syrah, com taninos encorpados.

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