Estremoz é por estes palco da 28.ª edição da Cozinha dos Ganhões, a decorrer no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz até ao próximo dia 4 de dezembro. À semelhança dos anos anteriores, a mostra oferece aos milhares de visitantes boa gastronomia, doçaria, produtos regionais, artesanato, muita animação cultural e convívio.
Ana Luísa Delgado texto | Gonçalo Figueiredo fotografia
“Quando aconteceu a primeira edição da Cozinha dos Ganhões a comida alentejana não tinha o prestígio que tem hoje”. Diz José Guerreiro, ex-presidente da Câmara de Estremoz, que por essa altura “não havia praticamente nenhum festival” de gastronomia. “Penso que a Cozinha dos Ganhões foi o primeiro festival de gastronomia que houve no Alentejo. A primeira edição foi em 85, era eu presidente de Câmara. E retomou em 94, era eu vereador”.
Segundo recorda, as pessoas que visitavam a Cozinha dos Ganhões “podiam encontrar os petiscos como se faziam na taberna das aldeias”. A intenção era trazer “as aldeias para a cidade”, numa altura em que havia uma maior dicotomia entre cidade e campo. “Como a rede de estradas ainda era muito incipiente, vir à cidade ou vir à vila, como diziam os homens do campo, era uma aventura. Havia muita pouca gente da cidade, à exceção dos chamados petisqueiros… as tabernas das aldeias eram muito pouco conhecidas na cidade e tinham petiscos genuínos, sem grande sofisticação mas aproveitando os produtos locais, sem grandes preocupações de elaboração e sofisticação, mas utilizando produtos do campo”.
Conta José Guerreiro que a ideia da primeira edição surgiu de um grupo de amigos que o acompanhavam na Câmara de Estremoz. “Eram pessoas preocupadas com o mundo rural. Destaco o Aníbal Alves, que era um autodidata que conhecia muito bem o campo. Era um homem que cozinhava e gostava de inventar comida. Conhecia as tascas todas e foi ele que me desafiou a fazermos esse projeto”.
Essa primeira edição aconteceu no Rossio, para aproveitar um espaço que estava vazio e que não tinha praticamente animação. “Quem lá ia podia encontrar uns peixinhos da ribeira ,que se fritavam nuns pauzinhos de orégãos, caracoletas, orelha de porco. Vieram todos. Ao princípio foi difícil convencê-los. Estavam habituados a ter meia dúzia de pessoas ao fim de semana e a Cozinha dos Ganhões foi um sucesso, até para nós, inesperado. Houve uma multidão a acolher o certame e, ao fim de poucas horas, já não havia petiscos nem forma de os repor. Eles não tinham capacidade para isso”, lembra.
Depois, a Câmara de Estremoz mudou de cor política e nova câmara não se interessou pelo projeto. Renasceu em 94. “Passou para o mercado abastecedor que fica nas traseiras da Câmara, já com cobertura e outras condições. O conceito era o mesmo”. Diz José Guerreiro que a adesão de manteve “em alta”, Embora, na altura, houvesse um problema: “O fumo concentrava-se no recinto. As pessoas a assarem as castanhas, a grelharem a carne… nos anos seguintes montou-se um sistema de ventilação”.
Quando o Parque de Feiras foi inaugurado a Cozinha dos Ganhões ainda se realizou no pavilhão multiusos. Depois, a Câmara resolveu construir um pavilhão para a gastronomia. “O conceito da Cozinha dos Ganhões”, diz o ex-presidente, “é hoje muito diferente”.
“Hoje são os restaurantes. Agora os restaurantes pagam para lá estar mas inicialmente as tascas não pagavam nada. Era tudo para ele e uma boa fonte de receita. Esta mudança era inevitável porque as tascas já não existem. As tascas das aldeias já são mais restaurantes do que tascas. As últimas sobreviventes eram as dos Arcos e a última já fechou”, refere.
Segundo João Jaleca, chefe de redação do “Brados do Alentejo”, em 1985 Aníbal Falcão Alves “tinha feito de um alpendre uma cozinha e quando aquilo estava pronto convidou um grupo para ir a casa dele comer uma sopa de tomate, tudo malta que gostava de andar nos petiscos, tudo malta de Estremoz”. Perto da cidade havia uma taberna “onde se ia tirar um petisco no fim da tarde, mas que estava fechado”. Foi nesse dia que surgiu a ideia de “fazer uma coisa de petiscos” no recinto da feira.
“Havia um grupo de três ou quatro homens que pelas Festas de Setembro faziam o mercado, onde entre barros e loiças levavam uma pipa de vinho, uns petiscos… ali dormiam. A génese da Cozinha dos Ganhões nasce aí”, acrescenta João Jaleca, lembrando que a ideia inicial “era convidar os antigos cozinheiros das casas agrícolas que faziam a comida para os ganhões e para os ganadeiros”.