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Costa muda regras do jogo. Alentejo em risco de perder milhões

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Alteração administrativa aprovada pelo Governo e já aceite pelo Gabinete de Estatísticas da União Europeia pode retirar centenas de milhões de euros ao Alentejo. A região vai deixar de estar na chamada “área de convergência”. Presidente da CCDR Alentejo antecipa corte de mais de 600 milhões de euros.

Está feito. O Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) aprovou a proposta do Governo português para criar duas novas Nomenclaturas de Unidade Territorial (NUT) de nível II. Nascem assim a Península de Setúbal e a região de Oeste e Vale do Tejo. Mas aquilo que, para o cidadão comum, pode parecer apenas uma reorganização administrativa – ou estatística – do país, para o Alentejo poderá significar um “gigantesco” corte no acesso aos fundos comunitários.

Se a nova NUT da Península de Setúbal não terá impacto na região, a criação da região do Oeste e Vale do Tejo, feita sem debate público, poderá traduzir-se numa maior dificuldade de acesso do Alentejo a fundos comunitários. Continuará a ser das regiões mais pobres do país, mas para efeitos estatísticos e de atribuição de apoios da União Europeia passará a ser considerada uma região rica, ao nível, por exemplo, de Lisboa, Algarve ou Madrid.

Ouvido na Comissão Parlamentar de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, Ceia da Silva, fez as contas: “Em vez dos 1,1 mil milhões de euros que temos hoje, passaremos a ter 400 mil, se tivermos. E passará a haver comparticipações de 40% [nos projetos aprovados], em vez dos atuais 85% e isso é, de facto, negativo para a região”.

Em perspetiva está um corte de mais de 600 milhões de euros e uma redução para menos de metade no valor do cofinanciamento europeu. A razão é simples: a nova NUT II do Oeste e Vale do Tejo vai incluir os mais de 235 mil habitantes da Lezíria do Tejo, atualmente integrada no Alentejo, e que inclui um conjunto de 11 municípios, entre os quais Santarém, Coruche, Rio Maior ou Almeirim. 

Sem esta população, “um cidadão que viva em Barrancos ou na Zambujeira do Mar não tem culpa de ter Sines no seu território, mas Sines faz polarizar de uma forma brutal o que é o Produto Interno Bruto da região e o rendimento per capita no território”, pelo que o Alentejo, um terço do país, com problemas estruturais graves como o despovoamento, envelhecimento e desertificação, deixará de estar na linha da frente dos apoios comunitários.

Tendo em conta o investimento em Sines, “ao ‘perdermos’ os habitantes da Lezíria subimos acima dos 75% de rendimento per capita da [União Europeia] e isso significa que o Alentejo vai deixar de ser região de convergência a partir de 2028”, lembrou Ceia da Silva. Fora desse estatuto de “convergência”, a região passará a ser tratada como integrando os territórios mais ricos da Europa.

Ouvido no Parlamento em finais de fevereiro, o presidente da CCDR do Alentejo lembrou que “a Lezíria do Tejo, no anterior quadro comunitário, precisou do Alentejo para não atingir os 75% [de rendimento per capita] e, portanto, foi bom para a Lezíria do Tejo a sua integração na NUT II do Alentejo”, e classificou de “muito interessante” a audição no Parlamento, embora referindo que se tratava de “chover sobre molhado”, já que a criação desta nova NUT II está aprovada pelo Eurostat. “É muito provável que, depois de 2028, o Alentejo deixe de ser região de convergência e isso é complexo para os pequenos concelhos que necessitam, e de que maneira, dos fundos comunitários”, referiu,

“A minha posição é muito clara e inequívoca: vejo com apreensão que o Alentejo possa vir a deixar de ser região de convergência a partir de 2028 e isso significa que passaremos a estar ao nível de regiões como o Algarve ou Lisboa”, enfatizou Ceia da Silva, rejeitando a criação de uma NUT II do Alentejo Litoral, o que significaria desagregar o Alentejo, uma vez que isso “iria fragilizar os restantes quatro concelhos” do litoral.

Ou seja, o Alentejo, como um todo, continuaria a poder beneficiar de uma maior disponibilização de fundos comunitários, mas os municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Odemira, além de (obviamente) Sines, passariam para o “clube” da regiões mais desenvolvidas, logo, com acesso mais reduzido aos fundos europeus.

NOVO MODELO ORGANIZATIVO

A criação destas duas novas NUT II começou a ganhar forma em dezembro de 2021 quando, no congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), o primeiro-ministro, António Costa, referiu que tanto a Península de Setúbal como o Oeste e Vale do Tejo “cumpriam os critérios demográficos” que permitiam a respetiva autonomização. Ainda nesse mês, o parlamento aprovou esta decisão, com os votos a favor do PS, PCP, Bloco de Esquerda e Livre, e com as abstenções do PSD, Chega, Iniciativa Liberal e PAN, bem como dos deputados socialistas Pedro do Carmo, Norberto Patinho e Capoulas Santos. 

Durante a audição parlamentar, a deputada social-democrata eleita por Évora, Sónia Ramos, disse que a criação destas novas NUT II “não foi um processo democrático que tivesse permitido a intervenção de todos os interessados”, e lamentou que o Alentejo, “tendo servido de barriga de aluguer para quando outras regiões precisaram”, fique agora “esvaziado de um fundo fundamental para o seu território e para o seu futuro”. Já o deputado socialista Eduardo Alves, eleito por Portalegre, defendeu a necessidade de “monitorizar e de avaliar aqueles que são os indicadores europeus que classificam a região Alentejo como região de convergência”.

PREOCUPAÇÃO ANTIGA

Foi em maio de 2022 que pela primeira vez, de forma pública, o presidente da CCDR Alentejo, Ceia da Silva, chamou a atenção para a possibilidade de o Alentejo deixar de ser considerada “região de convergência” a nível europeu, sofrendo cortes nos fundos comunitários. Durante a cimeira das Regiões Europeias para as Comunidades Inteligentes, realizada em Évora e maio do ano passado, Ceia da Silva classificou de “preocupante” essa possibilidade, uma vez que para este tipo de territórios “é decisivo e importante falar em coesão, é algo que, porventura, em alguns países deixa de ser o fator essencial, mas para o Alentejo é decisivo, ou seja, o nosso território tem de ser cada vez mais inclusivo, cada vez mais coeso e tem de haver cada vez menos assimetrias regionais”. O que com uma redução substancial no acesso a fundos comunitários, como a que está em perspetiva, será, pelo menos, mais difícil de conseguir.

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