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“Contra o fim da Direção Regional de Cultura do Alentejo”

Manifesto contra o desmantelamento da Direção Regional de Cultura do Alentejo e a sua integração na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, assinado por muitas dezenas de cidadãos, entre os quais os historiadores António Borges Coelho e António Ventura, os músicos Vitorino, Janita Salomé e Francisco Fanhais.

Sendo do conhecimento público que está prevista a integração da(s) Direcção Regional de Cultura na(s) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, os subscritores, defensores da sua importância como organismo autónomo, decidem manifestar-se através do presente documento.

Para um país cronicamente preocupado com os elevados índices de pobreza e dos parâmetros de bem-estar e desenvolvimento económico, aquém da média europeia, tudo o que à Cultura respeita é relegado para plano secundário, sem que, da parte dos decisores políticos, exista sensibilidade e percepção do erro em que persistem. Não obstante, e apesar dessa indiferença, ela “move-se” e, mesmo no interior do país, em acelerado ritmo de envelhecimento e de desertificação, são as práticas culturais, tais como a gastronomia, o artesanato, as tradições religiosas e profanas e inúmeras formas de actividades laborais e de transformação tradicionais, da carne, do leite e do vinho, mas, também, do empenho artístico do povo, no que respeita ao teatro, à música, à dança, ao folclore, que, associadas a monumentos de vária ordem e a sítios arqueológicos inseridos em importantes e ricas paisagens, movimentam e, em não poucas situações, sustêm, economicamente, lugares e terras e prendem, ainda, os seus habitantes a lugares cujo sustento de outrora desapareceu, na voragem de outros paradigmas económicos e sociais.

Com cerca de um terço do território nacional, o Alentejo foi palco de passagem e habitat de inúmeros povos, os quais deixaram vestígios abundantes da sua actividade, da sua organização social e das suas práticas “divinas”. O Alentejo e as suas gentes são, hoje, um caldo de Cultura que deriva do convívio e apropriação de técnicas de muitas origens e que resulta numa riqueza ímpar, que há que preservar, estudar e desenvolver.

Com uma economia assente na produção agrícola, ao longo de séculos, e numa divisão do território profundamente desigual e injusta, da qual resultou a concentração da riqueza num reduzido número de famílias e uma pobreza extrema da esmagadora maioria dos Alentejanos, restou a esperança e a luta por melhores condições de vida, mas que, por fim, na década de 50/60 do século XX, gerou o êxodo para o litoral do país e para o estrangeiro.

O Alqueva, que se propunha democratizar a exploração e a posse da terra, foi uma desilusão que o presente e o futuro se encarregam de demonstrar, com a introdução de culturas nocivas para a natureza, o ambiente, o património e a paisagem, parecendo haver ainda uma maior concentração da posse da terra, agravada pela sua venda a pessoas e grupos estrangeiros, numa dimensão nefasta, de cujos proventos nada sobra, nem para o Alentejo, nem para o país.

A aposta parece ser, pois, antes que aconteça o impensável – alienar o património ao capital estrangeiro, tal como à terra se fez –, a de que se defenda esse património único. Património que, nas suas diferenciadas formas de apresentação e manifestação, é um denominador comum para os Alentejanos, enquanto identidade colectiva e regional.

Defender este legado é manifestar solidariedade institucional e reconhecimento, a todos aqueles que fizeram, e fazem, do seu quotidiano uma luta, sem tréguas, contra a desertificação da memória e do território e que, incompreensivelmente, são esquecidos por quem decide e traça, a régua e esquadro, políticas estranhas à realidade dos seus dias e do seu futuro.

A estratégia de defesa, manutenção e desenvolvimento cultural exige, dos poderes públicos, uma atenção redobrada, com o envolvimento de técnicos e especialistas, empenhados cientificamente na abordagem necessária e nas diferentes fases da sua indispensável intervenção, do mesmo modo que, na sua abordagem técnica, se exige, no campo da deliberação e da gestão, equipas com profundo conhecimento científico e estratégico, para a necessária decisão de prioridades. Acresce a imprescindível apetência para o diálogo, com particulares, autarquias, clero, técnicos e outros intervenientes. No fundo, uma proximidade com grande parte dos decisores, assim como com associações, agentes culturais e público.

Tem mantido estas funções a Direção Regional de Cultura do Alentejo, na qual temos sentido um comportamento sério, altamente responsável e de grande empenho e que, apesar da crónica falta de verbas, tem sabido e procurado manter a causa da Cultura, no Alentejo, um organismo vivo e ao serviço da comunidade e do seu desenvolvimento, assim como da sua história e da defesa de valores considerados da sua identidade e memória.

É, pois, um sinal de alerta e de grande preocupação para os signatários o desmantelamento previsto da Direção Regional de Cultura do Alentejo e a sua integração na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo. Não parece avisado politicamente que um organismo desta natureza, que tem cumprido, com rigor e competência, ao longo de décadas, a gestão do património e a promoção das mais diversas iniciativas culturais, dê lugar a uma amálgama de organismos não explicados, até ao momento, mas cuja legislação já está em marcha, nomeadamente, pela Lei n.º 58/2018, de 21 de Agosto, e pela Lei n.º 27/2022, de 17 de Junho.

Tal como os seres humanos, poderíamos dizer que o território, para além do seu aspecto físico, também tem espírito e é necessário zelar pela sua manutenção. Será que, a par da alienação da terra, com monoculturas estranhas à região, exaurindo até ao limite recursos hídricos, vamos assistir, impávidos e serenos, a um retrocesso cultural, devido a políticas mal calculadas ou intencionalmente canhestras, para atingir desígnios ainda não esclarecidos?

É tempo de exigirmos respostas às tutelas políticas sobre o que se pretende, e de exigir a salvaguarda de quanto se fez até aqui, com o esforço e a criatividade de muitas gerações, do nosso tempo e dos que nos precederam. Em sua memória, é imperioso o protesto e a exigência do respeito que a Cultura nos deve merecer”.

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