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Congresso debate história e património vínico do Alentejo

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

O I Congresso de História e Património Vitivinícola do Alentejo realiza-se em Redondo esta sexta-feira, dia 25 de novembro, contando com a presença de duas dezenas de investigadores. A ideia é “valorizar o Alentejo vitivinícola de hoje, através do passado”.

João Inácio Ferreira Lapa chegou a Évora em 1866, “havia três dias que as vindimas tinham começado”, dirigindo-se à adega “do vinho do Enxarrama”, cujo antigo proprietário, João Teodoro, à época já falecido, havia contratado um tal de Francisco Alves, “que aprendera no Douro o fabrico dos vinhos de feitoria”, e ficara sem trabalho quando a extinção das ordem religiosas levou a que os frades de Rilhafoles, que “venderam os seus vinhos sempre por maior preço”, deixaram a cidade.

“O vinho do Enxarrama é bastante tinto e encorpado, cristalino, de cheiro tartoso, e não suave, que sabor quente e macio”, escreve o homem, assinalando não ser de estranhar que, de todos os vinhos da terra, ser o desta quinta “o mais apreciado, e o que obtém maior preço em Lisboa”.

À época, formava Évora com Redondo uma das duas regiões vinícolas do centro do Alentejo. A outra integrava Borba, Vila Viçosa e Elvas.

Surpresa para João Inácio Ferreira Lapa, a caminho de Borba, foi subir ao Monte da Cruz dos Caldeireiros, perto de Estremoz, e “gozar um dos mais vistosos e pitorescos panoramas que tenho observado”, um grande vinhedo só comparável ao que o visconde da Esperança lhe havia mostrado na vila de Cuba.

“Contudo”, assinala, “os vinhos de Estremoz têm uma notável diferença” dos do Baixo Alentejo. “O provador de paladar menos fino reconhece que a generalidade dos vinhos de Estremoz são menos alcoólicos, mais cobertos de cor e com um forte travo”.

Vinho de talha, obviamente. No relatório que envia ao ministro do Comércio, escreve que o processo de vinificação “em pouco desdiz” do que se utilizava em todo o Alentejo: “Ripa-se toda a uva do engano, alguns pisam o bagulho, verte-se o mosto nas talhas de mistura com a balsa, curte o mosto durante 20 dias, um mês e mês e meio; trasfega-se o vinho logo que a balsa cai no fundo das talhas, aguardenta-se, e se lhe deita por cima uma camada de azeite”.

Em Borba, anota o “extremo da simplificação”, pois a pisa “desapareceu”, persistindo apenas “a ripadeira e a talha, isto é, o princípio e o fim da arte”. Sublinhando que o “cheiro vinhoso” está presente em todas as ruas da terra, João Inácio Ferreira Lapa escreve que “com uma ripadeira e uma talha, o de Borba é capaz de ir fazer vinho no cabeço de um monte, no adro da igreja, a um recanto da rua, ou debaixo da alpendrada em que habita a muar serviçal da casa”.

Sendo assim em finais do século XIX, a verdade é que a cultura da vinha e o fabrico de vinho são tradições ancestrais no Alentejo. Manuel Baiôa, historiador e jornalista de vinhos, sublinha que, na região, a cultura remonta pelo menos ao século VI a.C., “embora tenham sido os romanos que deixaram mais marcas na região, nomeadamente os instrumentos de trabalho, as prensas e os lagares para a fermentação, os dolias (dolium, talhas de grandes dimensões) para a fermentação e o armazenamento e as ânforas para o armazenamento e o transporte do vinho”. 

Para demonstrar “a importância histórica, cultural e patrimonial” desta cultura, a vila de Redondo vai acolher o I Congresso de História e Património Vitivinícola do Alentejo, promovido pela empresa História e Memória, com o apoio da Câmara de Redondo, Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, Confraria dos Enófilos do Alentejo, entre outros.

“Pretendemos que este evento permita o debate e a partilha de experiências entre todos os intervenientes das mais variadas áreas do saber, numa perspetiva plural e pluridisciplinar, com o intuito de promover, divulgar e valorizar, ainda mais o vinho e a vinha do Alentejo”, diz José Calado, responsável da História e Memória, acrescentando que os oradores serão, na sua maioria, académicos oriundos de vários pontos do país.

“A História, os acontecimentos históricos, a tradição e as adegas são os temas mais abordados, não só pelos historiadores, mas também sob a visão de profissionais e académicos de áreas tão dispares como a geologia, o marketing, o design ou a antropologia. Todos eles, de alguma forma, utilizam a História e o conhecimento histórico para o seu trabalho e a promoção vitivinícola e aqui, neste congresso, podem partilhar essas experiências com todos”, sublinha.

Segundo José Calado, “é inquestionável que o conhecimento histórico pode, e deve, ser utilizado para a valorização e promoção dos vinhos”, pois, “num mercado global tão competitivo neste setor, a aposta na divulgação da História e do terroir é cada vez mais procurada para diferenciar marcas, produtos e regiões vitivinícolas. 

No caso do concelho de Redondo, revela, existem referências históricas sobre o vinho e a vinha desde a sua fundação até à atualidade. Para além das menções em imensos documentos históricos dos séculos XIV e XV, no início do século XVI, apenas dois séculos depois da fundação do concelho, “a toponímia já nos indicava um sítio nas cercanias da vila identificado como ‘Vinhas Velhas’, onde existiam uma enorme quantidade de vinhedos”.

O promotor da congresso aponta “o grande período de expansão internacional dos afamados vinhos de Redondo” para a última metade do século XIX, altura em que se verificou “uma extraordinária febre de plantação de vinhas, que provocaria uma produção sem precedentes e uma valorização tremenda do vinho local, que conquistaria vários prémios internacionais”.

Recordando que, no Alentejo, o vinho “foi sempre” uma cultura importante, José Calado sublinha que na primeira metade do século XVIII a região “seria provavelmente” a maior produtora nacional. No século seguinte, numa altura em que a maior parte do país era atingindo pela filoxera, as vinhas alentejanas “resistem por mais de 20 anos à praga e a região assiste a um crescimento exponencial da área cultivada de vinha e, consequentemente, da produção e exportação de vinho. Muitos vinhos alentejanos conquistam prémios nas grandes exposições internacionais”.

Já na década de 1950, depois de um período de estagnação, o Alentejo vitivinícola, “impulsionado pelo surgimento das primeiras adegas cooperativas, volta a conhecer um novo período de crescimento”, acentuado com a demarcação regional, o “impulso final para a valorização do produto vinícola alentejano”.

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