Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia
A construção de um centro cultural de utilização múltiplas, com um orçamento na ordem dos 12 milhões de euros, e de um Centro Nacional para a Dança Contemporânea, que representará um investimento de três milhões de euros, são dos dos principais equipamentos a construir em Évora no âmbito da Capital Europeia da Cultura 2027.
O anúncio da escolha de Évora, agora feito, veio premiar uma proposta “ousada, mas também muito honesta”, defende Paula Mota Garcia, coordenadora da Equipa de Missão Évora 2027. “Todo o conceito da candidatura, e o seu programa cultural e artístico, baseiam-se no modo de ser e de viver alentejano, no vagar enquanto consciência plena de que nós, enquanto humanos, estamos sempre em relação com tudo o que nos rodeia”.
Sublinhando o “contentamento” pelo triunfo de Évora, Paula Mota Garcia destaca o painel de especialistas que avaliou as diversas candidaturas – pelo caminho ficaram Aveiro, Braga e Ponta Delgada – soube “escutar e compreender o que significa este vagar [tema da candidatura], e o que pode significar para a Europa e para o mundo, como possível resposta para os desafios que enfrentamos coletivamente.”
“[Esta] é uma oportunidade para Évora, e para o Alentejo, mas também para a Europa e para o mundo. Porque o vagar é isso: uma proposta de futuro para a Humanidade” afirmou o presidente da Câmara de Évora, Carlos Pinto de Sá, em representação da Comissão Executiva Évora 2027.
“Estamos numa encruzilhada e precisamos repensar a nossa sociedade, a nossa vida, a forma como vivemos, como nos juntamos, como procuramos a felicidade. E julgo que o vagar, que está radicado na identidade cultural alentejana, é fundamental não apenas para o Alentejo mas para o país e para a Europa. Insere-se exatamente nos valores que Europa aponta e que nós aqui também apontamos por via da cultura poder lá chegar”, acrescentou o autarca.
De acordo com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, Évora irá agora receber um financiamento de 29 milhões de euros para concretizar o projeto apresentado. Um projeto que inclui a construção de um pavilhão multiusos a cerca de 400 metros das portas de Avis, se for seguida a proposta da equipa técnica que está a efetuar a revisão do Plano Geral de Urbanização da cidade.
Entre as principais apostas da candidatura está a criação do Centro Nacional para a Dança Contemporânea, a instalar no edifício do antigo Núcleo de Seleção e Armazenagem de Sementes, um espaço industrial atualmente sem utilização. A ideia é criar um centro de dança “sintonizado com o presente, ainda que comprometido com uma tradição crítica e discursiva na qual o corpo é encarado como um meio para nos incitar
a olhar o mundo de forma diferente”. Com coordenação dos cenógrafos Vera Mantero e João dos Santos Martins, e programação cultural de Liliana Coutinho, o projeto é apresentado como “um dos mais importantes legados” da candidatura, “um lugar para cultivar a sensibilidade e a sociabilidade, descentralizado embora (inter)nacional, um espaço de experimentação, inclusivo e articulado com o pensamento e as práticas ecossustentáveis”.
Outra aposta será a criação do Centro Documental e de Interpretação da Música de Sé de Évora, numa parceria que envolve o Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade NOVA de Lisboa/Universidade de Évora e a Associação Eborae Musica, entre outras entidades.
“Em 2027, queremos dar a conhecer ao público o acervo musical da Escola de Música da Sé de Évora, um dos mais importantes centros europeus da polifonia renascentista que, nos séculos XVI e XVII, formou compositores cujo trabalho se viria a difundir pela Europa e pela América do Sul”, refere a candidatura, explicando que “para tornar este tesouro artístico visível e acessível ao público”, o projeto se iniciará com o processo de digitalização, descrição e estudo destas peças musicais” que ligam Évora à Europa. “O centro será pensado para que investigadores, músicos, escolas e o público em geral possam usufruir deste arquivo musical. A cidade ganhará um importante centro de música de interesse internacional, permitindo reativar as relações com outras instituições europeias”.
Num outro projeto, intitulado “Matérias do Silêncio”, a candidatura propõe-se convidar artistas plásticos e
designers, locais e internacionais, a explorar materiais naturais, como o barro e cortiça, “para produzir peças e objetos contemporâneos, em estreita articulação com a memória e as histórias dos objetos tradicionais”. A ideia é “chamar a atenção para o esgotamento de recursos naturais causado pelos elevados níveis de produção e consumo”.
Já com o Bairro da Malagueira, que em 2027 assinalará o meio século de existência, a ideia é comemorar a data “acolhendo uma série de projetos interdisciplinares sobre o direito à cidade, à habitação e ao lugar, convocando artistas, arquitetos, investigadores nacionais e internacionais e a comunidade residente na Malagueira”.
A aposta num “processo de recuperação e salvaguarda” das Brincas de Évora, reintroduzindo-as “nas ruas, praças e pátios” da cidade e “encetando o diálogo sobre a preservação de tradições performativas similares”, em Portugal e em países como a França, Brasil ou São Tomé, o Cante Alentejano e o trabalho conjunto de performers e poetas repentistas “para experimentar o cruzamento” da poesia poesia com outras linguagens artísticas, são outros projetos pensados no âmbito da Capital Europeia da Cultura.
Festival Literário Ibero-Americano arranca no próximo ano
Um dos pontos altos de Évora Capital Europeia da Cultura será a realização de um Festival Literário Ibero-Americano para “celebrar e fortalecer, através da língua e da literatura, a importante relação histórica transfronteiriça entre a Extremadura espanhola, o Alentejo Central e o Baixo Alentejo”. Com periodicidade bienal, a primeira edição do festival acontecerá já em 2023. “Ao unir estes dois idiomas, procuraremos expandir o alcance do Festival desde a Europa até à América Latina, pretendendo chegar a um público diversificado”, explica a equipa de missão, revelando que a edição de 2027 “evocará o diálogo entre as diferentes culturas, disciplinas, géneros e idades como uma oportunidade para imaginar um lugar melhor para a humanidade”. O Festival contará com o envolvimento de vários agentes económicos, educativos e culturais do Alentejo e da Extremadura.