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Carlos Sezões: “O Alentejo depois dos fundos” (opinião)

Carlos Sezões, alentejano, gestor e presidente da Plataforma “Portugal Agora” | Opinião

“Passados todos estes anos e milhares de milhões de euros nos sucessivos quadros comunitários, devemos questionar ‘o que’ foi feito e ‘como’ foi feito. E o ‘porquê’ do fraco desempenho registado”.

Pontos prévios, para contexto: sou alentejano, nascido e criado; e não, nunca subscrevi a mistura de fatalismo e falta de esperança com que muitas vezes se fala da região. Dito isto, o realismo é essencial. O retrato do Alentejo, em termos macro, não mudou muito em três décadas.

Continuamos a sofrer com desertificação e despovoamento do território (agora agravado pelas alterações climáticas); a existência de um tecido empresarial incipiente, sem tradição de inovação e “escalabilidade”, e muito centrado no mercado regional; o emprego ainda muito sustentado em serviços sem grande valor acrescentado e no setor público administrativo; um desemprego estrutural elevado; situações de exclusão social, nomeadamente nos meios rurais; a incapacidade de reter jovens qualificados que, invariavelmente, procuram oportunidades lá fora.

Notas positivas? Sim, algumas evidentes. A franca melhoria na formação e qualificações, as infraestruturas construídas, os casos de sucesso na agricultura e na agroindústria ou o crescimento extraordinário do turismo.

Mas passados todos estes anos e milhares de milhões de euros nos sucessivos quadros comunitários, devemos questionar “o que” foi feito e “como” foi feito. E o “porquê” do fraco desempenho registado. Duas dimensões a explorar: 1) o processo de aplicação dos fundos estruturais e 2) o impacto desses investimentos.

Quanto ao primeiro ponto, quer os estudos mais objetivos, quer as experiências empíricas, falando com empresários ou gestores públicos, apontam para os mesmos obstáculos:

– Complexidade e burocracia na implementação: o caráter intrincado dos programas, os encargos administrativos associados, os processos de inscrição/ aprovação demorados, a “papelada” excessiva e requisitos rígidos são entraves burocráticos evidentes que bloqueiam boas ideias;

– Falta de capacidade e lacunas nas competências administrativas e técnicas necessárias para avaliar e gerir eficazmente os projetos financiados;

– Abordagens fragmentadas e priorização inadequada: a tomada de decisão (demasiado) centralizada, o envolvimento limitado do setor privado, a falta de coordenação entre vários programas de financiamento e iniciativas levam a esforços duplicados e oportunidades de sinergias perdidas.

Quanto ao segundo ponto, o impacto tal deve-se, na minha ótica a três fatores:

– Foco nas atividades em detrimento de resultados: a atenção (e energia) é colocado no desembolso de fundos com base em atividades em vez do impacto social e económico dos projetos;

– Foco no curto-prazo: prazos limitados não são suficientes para lidar com disparidades económicas e sociais profundamente enraizadas;

– Falta de adesão local e sustentabilidade: as iniciativas de desenvolvimento bem-sucedidas exigem envolvimento ativo e apropriação das comunidades locais, algo que raramente é acautelado.

A acrescer a tudo isto, vivemos hoje num mundo cada vez mais volátil, em que receitas tradicionais e centralizadas não funcionam – e temos esta evidência na atual incapacidade dos poderes públicos gerirem sistemas complexos como a Saúde, a Educação e/ou a Habitação. Tal exige soluções integradas para que não aconteçam as situações de “desalinhamento estratégico” a que todos assistimos.

Exemplos simples: se canalizamos fundos para atrair indústrias de forte componente tecnológica devemos garantir talento ao nível de engenharia ou do digital para sustentar o seu crescimento; se financiamos acessibilidades e infraestruturas turísticas, devemos alavancar a oferta cultural de uma região; se tentamos atrair novos residentes para vilas e cidades médias do interior temos de acautelar os equipamentos e serviços mínimos (Educação, Saúde) e ou a oferta social/ cultural que torne a vida aprazível. Não, a dita coesão territorial não se faz por decreto e a demografia não se resolve por milagre.

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