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Carlos Cupeto (Opinião): “Seca, tudo como dantes”

Carlos Alberto Cupeto, geólogo, Universidade de Évora, membro da SEDES de Évora

Vinte cinco anos depois, dezenas e dezenas de estudos, planos e estratégias, muitíssimos milhões de euros e eis que o Alentejo, depois do Algarve, tem um Plano Regional de Eficiência Hídrica do Alentejo (PREHA). Se pusermos em cima disto os 20 anos de Alqueva, tudo fica bem à moda desta coisa desgovernada que amamos e se diz Portugal. Nada de novo.

Ao Alqueva e aos 25 anos de estudos falta somar as alterações climáticas para completar a equação essencial. Entretanto, os estudos sucederam-se e como é costume, “aos costumes disse nada”, com as estantes e as gavetas a aumentarem de tamanho; como quase sempre, o Estado não fez e não faz o que deve. Todos sabemos que é assim na água e no resto: estudamos, planeamos, mas falta, quase sempre, o implementar, monitorizar, avaliar e analisar resultados, para, finalmente, voltar a atuar mais eficazmente.

Assistimos à evocação do PREHA, agora em consulta pública (em: https://participa.pt/pt/consulta/plano-regional-de-eficiencia-hidrica-do-alentejo-regioes-hidrograficas-do-sado-e-mira-e-guadiana, cerca de um mês depois com seis míseras participações), em Évora, a capital do reino da seca, numa sessão da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social dedicada ao tema. No mesmo dia do debate da SEDES, os ministros vieram ao Alentejo reunir, em Concelho, e tomaram decisões sobre este e outros temas. Depois do cansaço dos números, sempre bem-sabidos por quem de direito, o momento alto foi a ausência de debate compensado com a detalhada intervenção da Ministra da Agricultura.

Também aqui nada de novo: a velha receita, entornar muito dinheiro em cima da seca. Como apregoado por vários ministros, secretários de Estado e ajudantes, são 200 M€ para o Algarve e quase mil milhões para o Alentejo. Cinquenta novos piezómetros (equipamento para medir a cota dos níveis de água subterrânea) no Algarve e, no Alentejo, ligar a barragem do Monte da Rocha ao Alqueva são dois bons exemplos, anunciados pelo Ministro do Ambiente.

O conhecimento científico dos aquíferos do Algarve, designadamente com medidas regulares e sistemáticas de níveis piezométricos, em redes de monitorização oficiais, tem cerca de cinquenta anos. Desde essa altura que o Algarve tem o conhecimento hidrogeológico para se tomarem decisões acertadas – nessa época, no Algarve, foram realizadas em hidrogeologia as primeiras teses de doutoramento em Portugal.

Na verdade, em vez de uma abordagem total e integrada do ciclo da água, se é que este ainda existe, continuamos a tratar os sistemas aquíferos como um mundo à parte onde, perante alguns discursos, parece expectável a “descoberta” de novos recursos, em linha com um dos grandes objetivos do presente Plano  (“identificar novas origens de água”). A ligação do Monte da Rocha ao Alqueva é coisa que, com ou sem alterações climáticas, mais ou menos seca, há muito que devia estar feita.

Para um horizonte de concretização até 2030, o PREHA propõe 73 medidas para todos os setores de atividade. Enuncia-se também um conjunto de lugares-comuns considerados objetivos: “avaliar a gestão das disponibilidades hídricas” considerando vários cenários; “indicar as metodologias a utilizar para definir metas e horizontes temporais de eficiência hídrica…”; “identificar medidas de curto e médio prazos, que promovam a reutilização da água…”; “identificar possíveis soluções estruturais e novas origens de água…”.

Ao lado de todo este mundo, há as respostas muito simples e claras que só não percebe quem não quer. Évora e Londres, em ano médio, têm a mesma precipitação, só muito diferente é a forma como chove, lá um pouco todos os dias, cá quase tudo em poucas semanas. É esta diferença que nos “obrigou”, em boa hora, a construir o Alqueva e quase todas as outras barragens.

O Alqueva, para além da poeira política, diz-nos que o Alentejo é das regiões da Europa com maior segurança hídrica – mais um enorme paradoxo em que a nossa terra é tão fértil, ou um equívoco político, assumido ou não? Há uns anos, em período de seca, um velho e sábio agricultor em Serpa disse-me: “Falta de água? Não. Já sabia que ia ter menos água e adaptei as minhas culturas à água que tenho.”

Mais recentemente, numa aldeia ribeirinha, outro sábio comentou: “dizem que é por causa das alterações do clima, mas o que sempre houve é seca.” Nesta terra, como noutras, os locais contam que muitas ribeiras outrora secas a maior parte do ano, agora correm todo o ano.

Este “fenómeno” tem uma só explicação e um só nome: desperdício, desperdício escandaloso no regadio do Alqueva. A EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, S.A desconhece? Se juntarmos ao eficaz e sério banir do desperdício a adaptação dos usos à água disponível, grande parte do problema da seca fica resolvido. 

A água não pode ser vista como um “mero” recurso e tem de ser abordada em todas as suas dimensões. Sabemos que as situações extremas vão ser cada vez mais comuns; sabemos que temos uma variabilidade climática bastante acentuada; e também sabemos que o recurso hídrico, cada vez mais, não pode ser gerido como um ciclo.

Também sabemos que combater a seca com o regadio não é acertado; mesmo que nos atirem o argumento da rega mais eficiente, temos a certeza que a rega eficiente não vai consumir menos água, vai possibilitar apenas regar mais hectares. E nesta matéria o que dizemos relativamente às culturas agrícolas escolhidas na área de influência do Alqueva? Sobretudo, sabemos que o uso da água tem de ser criterioso e seletivo. Na cena global, as frentes abertas são múltiplas, diversas e interconectam-se, em matéria de água e solo os desafios assumem significativas dimensões regionais e locais que exigem escolhas acertadas. 

É óbvio que a crise hídrico-climática, seja isso o que for, é uma realidade antrópica. Como todas as crises, estamos perante uma enorme oportunidade e temos o dever de fazer mais e melhor, o futuro a isso nos obriga.

(texto originalmente publicado no jornal “Público”)

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