Maria Antónia Zacarias texto | Gonçalo Figueiredo fotografia
A Cáritas Diocesana de Évora presta apoio a cerca de cinco mil pessoas e está a acompanhar com preocupação o acréscimo de pedidos de ajuda que ali chegam todos os dias. O número de beneficiários jovens da classe média equipara-se ao de idosos.
Presidente da Cáritas de Évora, Luís Rodrigues afirma que o número de pedidos de auxílio tem vindo a aumentar de ano para ano e, mais recentemente, de mês para mês. Também o perfil de beneficiários está a mudar. Antes, era a população idosa que mais solicitava ajuda devido às baixas reformas, mas hoje são as pessoas mais jovens da classe média/média baixa que estão a procurar ajuda em resultado do aumento do custo de vida, chegando a ultrapassar os idosos. Com a inflação, os problemas tendem a agravar-se.
“Vemos com muita preocupação o que está a acontecer”, afirma Luis Rodrigues. Embora os números ainda não estejam fechados no que concerne a 2022, “mês a mês vamos comprovando que o número de pedidos vai aumentando. Chegamos às cinco mil pessoas e vai aumentar porque agora não são apenas os desempregados que nos procuram, como era antigamente”.
Este responsável explica que “os números do desemprego baixaram” muito, persistindo os “desempregados crónicos que já nos procuravam antes” e que continuam a acorrer à Cáritas. “A questão é que agora somos também procurados por empregados que recebem vencimentos baixos face ao custo de vida e que precisam de auxílio”.
O perfil dos beneficiários está a mudar, sendo hoje pessoas com empregos precários e com baixos rendimentos “às quais já não chega o que recebem para fazer face ao orçamento familiar. Começa, cada vez mais, a haver pessoas e famílias nestas situações. O que recebem já não chega para fazer face às despesas do mês”.
Assim, começa a verificar-se o incumprimento das rendas das casas, dos empréstimos bancários, das faturas da água, da eletricidade, do gás e dos medicamentos. “E estamos a ouvir que os medicamentos vão aumentar também, o que muito nos preocupa”, sublinha o presidente da Cáritas de Évora, acrescentando que o apoio de 125 euros dado pelo Governo “é manifestamente insuficiente, não chega para nada”.
Luis Rodrigues recorda que, há uns tempos, era a população mais idosa que procurava a instituição devido às baixas reformas, “mas hoje está a ficar equilibrado o número de pessoas mais jovens que com o aumento do custo de vida vão ultrapassar o dos idosos. A preocupação aumenta quando são referenciadas crianças em famílias com dificuldades financeiras”.
Segundo constata, é a classe média/média baixa a mais afetada “por esta onda de crescimento do custo de vida”. Face a isso, as famílias pedem alimentação à Cáritas Diocesana de Évora. “O cabaz alimentar aumentou muito e a entrega de cabazes preparados tem em conta a dimensão do agregado familiar”. A questão é que também os doadores são afetados pelas consequências da inflação.
O presidente da Cáritas de Évora salienta que o que tem valido a esta instituição é a ajuda pecuniária da Fundação Eugénio de Almeida, “porque é o que nos permite fazer face a muitos apoios de vária ordem, nomeadamente no que diz respeito à renda da casa, à fatura da água e da eletricidade”.
Questionado sobre o fenómeno da imigração e o impacto que tem nos pedidos de auxílio, explica que a procura por parte dos imigrantes junto da Cáritas de Évora não é significativa. Pelo menos por enquanto. “Terá havido algum aumento, mas não é expressivo. Tem havido uma forte pressão em Lisboa, no Porto, nas grandes cidades por parte das pessoas oriundas dos países de língua portuguesa que estão em grande situação de carência. Aqui não se verifica essa situação”.
Recorde-se que as ajudas efetuadas por esta instituição de Évora são alimentares, mas também financeiras, “para pagar despesas de água, luz, renda de casa, medicamentos e outras, como próteses dentárias e óculos”.
Este volume de novos pedidos de ajuda tem sido um desafio para todas as instituições do setor social, onde se inclui a Cáritas Diocesana de Évora. “Não é um trabalho fácil, nunca foi, mas hoje temos de gerir muito bem os recursos que temos”, afiança Luís Rodrigues. E conclui: “Os nossos técnicos estão preparados para o que vier. É mais que certo que vamos ser mais solicitados, mas cá estamos para fazer face às dificuldades que vão surgir”.
Contexto económico “agudiza” pobreza no Alentejo
Quase um ano passado sobre o lançamento da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, as dificuldades continuam a existir. A EAPN Portugal/Rede Europeia Anti-Pobreza no Alentejo diz ter a noção que “o agravamento do contexto económico irá agudizar as dificuldades das pessoas mais vulneráveis, colocando-se grandes desafios às instituições no sentido de responder à situação”. No entanto, avança que “a operacionalização da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza poderá responder a situações mais prementes e gritantes emergentes desta crise causada por fatores externos”.
Uma realidade que está demonstrada no relatório 2022 da EAPN Portugal/Rede Europeia Anti-Pobreza sobre a Pobreza e Exclusão Social em Portugal. Daqui salienta-se que o aumento do custo de vida em Portugal é visível, tal como é inegável que o aumento dos rendimentos mais baixos que ocorreu no início de 2022 – tais como o aumento do salário mínimo nacional e das prestações sociais mais baixas – foi insuficiente para acomodar o aumento do custo de vida.
Todos estes dados, aos quais se juntam o aumento do risco de pobreza monetária e de intensidade laboral muito reduzida, “são sinais de alerta sobre o atual contexto de pobreza e exclusão social vivenciado em território nacional”. Os últimos números conhecidos indicam que mais de 52 mil pessoas no Alentejo, 15 por cento da população total, declararam um rendimento bruto anual inferior a cinco mil euros (cerca de 416 euros por mês), colocando-as abaixo do limiar de pobreza.