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Bruno Castanheira e a inquietação das fotografias “serenas”

Alexandre de Barahona (texto) e Bruno Simões Castanheira (fotografia)

À procura de ”gente que molda a paisagem” e da “paisagem que molda a gente”, Bruno Simões Castanheira ganhou em 2013 o mais prestigiado prémio português de fotojornalismo. É da sua autoria o projeto documental “Lugares do Silêncio”, agora patente na antiga Casa da Câmara, em Évora-Monte.

Nascido em Lisboa, em 1979, Bruno Simões Castanheira enveredou pela profissão de fotojornalista, sendo colaborador de diversos jornais portugueses. Vencedor em 2013 do Prémio de Fotojornalismo Estação Imagem, com a sua reportagem sobre a catástrofe social criada pela crise económica na Grécia, e também do Prémio Fotojornalismo Visão/BES, Bruno afirmou-se depressa através das suas imagens, como uma forte promessa no jornalismo luso.

Alguns anos mais tarde, a associação Estação Imagem, com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo, atribuiu uma bolsa anual destinada à realização de um projeto documental sobre a região. O projeto, submetido a concurso, foi escolhido por um júri internacional e o eleito foi Bruno Simões Castanheira.

O trabalho resultante dessa bolsa foi publicado em livro e divulgado através de uma exposição itinerante. É justamente esta mostra, intitulada “Lugares do Silêncio”, que nos chega a Évora-Monte e que, com o apoio da Junta de Freguesia, está patente na antiga Casa da Câmara desta vila. ”Gente que molda a paisagem; a paisagem que molda a gente”, escreve o fotojornalista, como mote deste seu trabalho fotográfico.

Uma palavra, sobre um bom exemplo associativo nacional. Criada em 2007, a Estação Imagem é uma exceção pela positiva no panorama da fotografia em Portugal. Primando pela qualidade e internacionalização, esta associação cultural sem fins lucrativos tem como finalidade estudar, debater e divulgar todos os aspetos ligados à imagem, com particular incidência na fotografia. “Somos a única entidade em Portugal a organizar anualmente um prémio internacional de fotojornalismo, cujo objetivo é promover a reportagem fotográfica”, refere a associação.

Bruno Simões Castanheira, entretanto, como tantos bons profissionais portugueses, teve de fazer opções: escolheu sair do país, e trabalhar no estrangeiro. “A imagem como parente pobre do jornalismo, sofre, quando o próprio jornalismo empobrece”, lamenta o fotógrafo.

Apanhado por telefone em trânsito num aeroporto europeu, Bruno falou ao “Brados do Alentejo”, mas perdeu as ilusões: “Tive de abandonar Portugal, por opção pessoal. A enorme precariedade com que se vive hoje, aí, é alarmante. E no geral, há cada vez menos espaço para o fotojornalismo, menos verbas, menos investimento e valorização da fotografia enquanto meio de reportagem”.

Sente-se na sua voz a tristeza por ter ido viver longe dos seus amigos, da sua terra. Sobre as fotografias que constituem a exposição, refere que parece ter sido tão longe, que lhes perdeu a memória. Mas fica satisfeito que ainda seja recordado e convidado a expressar-se, graças ao seu trabalho fotográfico. Reconhece que o fotojornalismo se alterou, nos últimos 10 anos, “a fotografia tornou-se democrática, com os telemóveis e as redes sociais, onde todos descarregam diariamente imagens”.

Pergunto-lhe se é apenas uma questão portuguesa, mas recusa: “É transversal. A coisa agora é muito estranha, porque já não sabemos se as imagens que vemos nas redes [sociais] são reais ou fictícias, com tantas imagens adulteradas”. Contudo o problema da precariedade profissional em Portugal também é transversal a muitos outros ofícios, obrigando a uma migração qualificada. Pessoas que qualificamos cá, e depois vão produzir riqueza, serem mais-valia, lá fora.

Esta sua exposição mostra-nos indivíduos, seres na sua natureza e momentos do Gerês. Sobre a qual o próprio autor relata que “os cumes montanhosos das serranias do Gerês estendem-se em tonalidades difusas e traços imprecisos para além da vista do horizonte. O vento corre no silêncio do espaço vazio e reconhece-se tudo a partir do halo físico emanado da massa sólida da criação original”. São fotografias serenas, apesar da inquietação que transmitem. Amistosas, apesar da fria atmosfera envolvente.

Bruno Simões Castanheira deixou o fotojornalismo e, esporadicamente, quando procura a sua máquina, dedica-se mais a fotografia documental, não de reportagem. “A imagem como ente social e complexo, procurando causas a médio e longo prazo”, diz-nos. Sobre o poder da fotografia, escreveu: “Uma memória que nunca po- derá ser memória autêntica, porque esse passado que foi não volta a ser. Dele resta apenas o que é no tempo presente, os seus sinais, os seus traços”.

As fotografias podem ser vistas na antiga Casa da Câmara, situada no castelo de Évora-Monte, até ao final deste mês de outubro.

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