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Bosquejo sobre a utilização de propriedades florestais

Os donos das propriedades tinham a perfeita noção que suportariam um prejuízo absoluto se descuidassem os seus espaços florestais. Tínhamos floresta. Agora temos terra queimada. Arnaldo Leite, consultor sénior em economia social | Opinião

Ano após ano, o flagelo dos fogos florestais constitui uma realidade que somos forçados a aceitar e à qual tivemos de nos habituar, mesmo que não nos conformemos. Temos problemas com a água. Contudo é absolutamente natural que se gastem milhões e milhões de litros no combate aos fogos florestais. Temos preocupações energéticas. Contudo é absolutamente natural que se gastem milhares e milhares de litros de combustível.

Os bem-falantes, responsáveis pelo combate aos fogos, enxameiam os noticiários, babando-se em cima das suas sapiências, repetindo, invariavelmente as mesmas conversas, duvidosamente escutadas pelos pivôs, que saltam nas suas cadeiras à espera de trágicas notícias.

Longe, muito longe vai o tempo em que ainda não se falava em economia circular. Naquele tempo não havia sequer economia, havia sobrevivência. As propriedades florestais eram o recurso dos seus proprietários. Periodicamente cortavam os matos e os silvados, as ramagens mais baixas das árvores, carregavam esse material para os seus espaços rurais para fazer as camas dos animais. Esse material era posteriormente retirado e voltava à terra, agora sob a forma de adubo.

As árvores, integradas num eco sistema natural, lá ficavam para segurança futura. Havia um ou dois abates e consequente venda, quando se tornava necessário assegurar a despesa de um batizado, um casamento, uma doença, umas obras de restauro, a compra de animais ou visitar a família emigrada.

Quando havia um incêndio, a grande maioria das vezes era rapidamente neutralizado, por uma simples razão: os espaços florestais eram tratados com regularidade. Os donos das propriedades tinham a perfeita noção que suportariam um prejuízo absoluto se descuidassem os seus espaços florestais. Tínhamos floresta. Agora temos terra queimada.

É evidente que o eventual cuidado que os proprietários de espaços florestais possam ter para evitar os fogos e olhar para a sua floresta com outros olhos, se têm o azar de as suas propriedades confinarem com a floresta sob a administração do Estado, sabem que estão sujeitos aos fogos políticos dos que deixam arder para depois aparecerem como salvadores do caos.

O Estado nunca foi sequer um sofrível gestor florestal. Aliás, o Estado nunca foi gestor de coisa nenhuma.

Os políticos de pacotilha que enchem a boca a falar dos recursos para combate aos fogos, como se esses recursos não estivessem diretamente relacionados com os impostos que nos cobram, deixam a nítida ideia da inevitabilidade dos grandes fogos e, por isso, são sempre necessários recursos e mais recursos para os combater.

Os resultados de 2023 foram motivo de orgulho. Foi considerado um ano histórico comparado com os últimos 10 anos. A grande vitória foi assinalada com pompa e circunstância, nunca se dizendo que, depois dos sucessivos flagelos, já pouco resta para arder.

Então eis que surge o bonito relatório do Instituto de Conservação da Natureza e das Floresta (ICNF) apresentando as “coisas poucas” que arderam entre 1 de janeiro e 30 de setembro: “… deflagraram 7.191 incêndios rurais que resultaram em 33.031 hectares (ha) de área ardida, entre povoamentos (18.888 ha), matos (12.006 ha) e agricultura (2.137 ha)”. E o relatório continua a debitar números espetaculares, que realçam o extraordinário esforço dos politicoides e do Estado para identificar este tremendo êxito. 

“Segundo o ICNF, 84% dos incêndios rurais deste ano tiveram uma área ardida inferior a um hectare, tendo apenas se registado quatro fogos com uma área ardida superior ou igual a 1000 hectares”. Apenas, claro está.

Em agosto aconteceram (apenas) 1.768 fogos e uma área ardida de (apenas) 22.034 hectares. Fantástico resultado. Grande vitória frente ao fogo. A questão é que o mês de agosto tem 31 dias e, assim, foram (apenas) 57 fogos por dia e arderam (apenas) cerca de 711 hectares por dia. Durante quanto tempo mais irá durar este desvario? 

Feito este desabafo, as nossas palavras vão agora para os proprietários florestais de média dimensão que, obviamente, não possuem os recursos e as influências dos grandes proprietários. Não vamos falar aqui de áreas, mas da possível divisão de um espaço em três partes e uma sugestão de como poderão ser utilizados. 

À primeira parte chamaremos lote das resinosas e do eucalipto. Neste espaço serão plantadas espécies de crescimento relativamente rápido e que resulte num rendimento. Os silvicultores, regra geral, recomendam que se deve selecionar criteriosamente as espécies resinosas, de modo a aumentar a rentabilidade, conjugando com o eucalipto. Contudo, como seria de esperar, cada técnico sugere soluções diferentes. Por isso, depois de ouvir várias opiniões, caberá ao proprietário tomar a decisão que lhe for mais conveniente.

O segundo lote, ocupando a parte central da exploração, será onde se estabelece um prado para pastoreio e implantação de colmeias nos pontos considerados adequados. Sugere-se a predominância de animais de pequeno porte (ovelhas e cabras) permitindo-lhe entrar também no espaço florestal. Se houver incêndio no lote das resinosas e do eucalipto, ele não terá hipótese de alastrar. Além disso os carros de combate entram, sem dificuldades no lote central, dominando o fogo a partir daí.

O terceiro lote acolherá as folhosas. Tal como no lote anterior, a seleção das espécies deve colher o parecer de especialistas. Será sempre uma boa decisão associar árvores de diferentes características e, sem receio, incluir espécies fruteiras, formando um ecossistema com resultados surpreendentes.

Perguntar-se-á se o Estado e os politicoides acolherão projetos com estas características. Dada a mentalidade tacanha e a mesquinhez que imperam nos centros de decisão, naturalmente que a resposta será negativa. Contudo, pode ser que se os médios proprietários florestais, abraçarem algo como o que aqui apresentamos e, em conjunto, fizerem alguma pressão e mantiverem persistência, talvez consigam algum apoio. De qualquer modo, algo terá de ser feito por quem sente, todos os anos, a presença do risco de ver os seus espaços florestais dizimados.

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