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Aumento dos custos deixa Misericórdias em dificuldades

Há Misericórdias com dificuldades em pagar salários e subsídios aos funcionários. Algumas, como a de Portalegre, avançaram mesmo com um despedimento coletivo. Miguel Raimundo diz que é necessário um “maior apoio” por parte do Estado.

Ana Luísa Delgado (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

Por um lado, os pedidos de ajuda são cada vez em maior número. Por outro, os encargos com salários e inflação não param de subir. Daí que a situação financeira das Misericórdias portuguesas, à semelhança de todo o setor social, se tenha vindo a agravar. Em entrevista ao “Brados do Alentejo”, o coordenador da União das Misericórdias Portuguesas para os distritos de Évora e Beja, Miguel Raimundo, também provedor da Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, alerta para a “insuficiência de receita” das instituições do setor social, face ao constante aumento dos encargos.

As Misericórdias têm-se queixado de dificuldades acrescidas pois o apoio do Estado não é o suficiente. Como é que classifica a situação no distrito de Évora?

Temo-nos confrontado diariamente com vários aumentos, seja da alimentação, dos combustíveis, da energia, da manutenção dos equipamentos e das viaturas, da requalificação de edifícios e agora, essencialmente, com o aumento dos salários, designadamente o do salário mínimo. Mas quero abrir um parêntese: não é que os nossos funcionários não mereçam esse aumento, merecem-no totalmente e até mais, pelo esforço e pelo trabalho que desempenham. Só que nós, Misericórdias, temos muita dificuldade em acompanhar todos estes aumentos, nomeadamente o dos salários, devido às comparticipações do Estado serem insuficientes e nem sequer acompanharem a taxa de inflação.

O presidente da União das Misericórdia diz que os provedores vivem angustiados com o final do mês. Partilha essa opinião?

Partilho porque algumas Misericórdias, para não dizer a esmagadora maioria, são confrontadas com dificuldades nos pagamentos dos salários e com a insuficiência da receita para fazer face à despesa. As receitas que nós recebemos têm que ser substancialmente aumentadas. O [financiamento do] Estado tem que atingir 50% dos custos de referência dos utentes, nomeadamente nos lares, porque, a não ser assim, é impossível as instituições fazerem face às despesas. Se os utentes e as respetivas famílias não conseguem ter uma contribuição mais substancial, é muito difícil as Misericórdias fazerem face a este aumento de custos. Tomara eu, e os meus colegas provedores, podermos pagar o dobro aos nossos funcionários de molde a que o trabalho fosse bem remunerado… só que não é possível, pois as receitas que temos não nos permitem chegar aí.

Sob pena de se acumularem saldos negativos.

Se temos 10 não podemos estar a pagar 12 ou 13 pois entramos imediatamente em défice, em saldo negativo. O Estado tem conhecimento desta situação, está sensibilizado para o problema, e temos vindo a negociar o aumento das comparticipações para o terceiro setor, para o setor social.

Ou seja, o novo aumento do salário mínimo irá complicar estas contas?

Vai agravar os problemas, sem dúvida nenhuma. Por isso, mal das instituições, mal das Misericórdias se não tiverem um aumento nas comparticipações para fazer face a estas despesas… seria impossível. E, depois, temos outras categorias profissionais, não faz sentido aumentarmos apenas o salário mínimo. Então e os outros trabalhadores?

Já existem algumas misericórdias que estão a viver no limite das suas possibilidades?

Tenho conhecimento disso. Tenho contactos frequentes com alguns provedores, algumas Misericórdias que não têm outros rendimentos se não as comparticipações do Estado e as dos utentes e estão a viver dias muito difíceis. É bom que o Estado tenha esta noção e eu creio que tem.

E no caso da Misericórdia de Estremoz?

Estremoz sente as dificuldades de todas as outras. Certas dificuldades dos aumentos do salários mínimo e do aumento dos bens essenciais e de tudo o que é inerente ao funcionamento das estruturas. Com isto eu não estou a dizer que o Estado não tenha também nos últimos anos procedido a alguns aumentos, mas os que foram feitos são insuficientes porque os custos aumentam.

Acha que o Estado de certa forma está a sacudir as responsabilidades nesta área do apoio social?

Não quero dizer que o Estado esteja a sacudir a sua responsabilidade, penso que não. Agora tem que ter uma maior sensibilidade para reconhecer as dificuldades com que as instituições do setor social se debatem. E estas dificuldades são reais, não nos move o lucro, não somos do setor privado, não queremos o lucro, mas não podemos perder, não podemos é ter prejuízo sob pena de colocarmos em risco a sustentabilidade financeira das instituições.

Que em muitos concelhos até são dos maiores empregadores.

É verdade. Há muitos concelhos em que as Misericórdias têm tantos funcionários, ou quase tantos, como as Câmaras Municipais. Portanto são entidades de grande importância e a quem se deve dar e a quem se deve prestar especial atenção

Poderão estar em causa despedimentos ou encerramento de respostas sociais?

Há sempre esse risco, só que os funcionários também fazem falta para cuidar das pessoas, para cuidar dos utentes. Corre-se esse risco? Corre, mesmo existindo quadros mínimos de pessoal que têm de ser respeitados. Agora, as despesas aumentam mais do que as receitas e isto é uma situação complicada… as autarquias, se puderem participar, são sempre bem-vindas pois trata-se de cuidarmos dos nossos idosos, trata-se de tomarmos conta das nossas crianças, de prestar auxílio a vítimas, de acolher doentes. É um setor muito sensível da sociedade a que o Estado tem que ter uma especial atenção.

Na sua perspetiva, quais deveriam ser as prioridades para o setor?

As medidas prioritárias são as de natureza financeira, isto não pode funcionar sem dinheiro. Portanto, em primeiro lugar é preciso aumentar as comparticipações financeiras do Estado. Depois estou-me a lembrar, por exemplo, das ações fiscalizadoras que deveriam ter, nalgumas situações, um papel mais pedagógico do que sancionatório. Não quer dizer que as fiscalizações, os acompanhamentos, não se devam fazer e não sejam úteis, mas deveriam ter por vezes um papel mais pedagógico porque as sanções também são violentas. Há Misericórdias que por vezes têm de fazer face a multas graves e de elevado montante, em situações que não se justificam.

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