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As influências da corte e a campanha que aí vem (opinião)

Luís Godinho, jornaista (texto) | Opinião

Isto das cortes que se passeiam pelos palácios tem que se lhe diga. Não é de hoje. A monarquia romana não caiu propriamente por causa do rei, um tal de Lúcio Tarquínio Soberbo, mas do filho deste, Sexto Tarquínio, que aproveitou um intervalo numa expedição militar para violar uma romana chama Lucrécia. Há um belíssimo quadro de Tintoretto que retrata o episódio. Lucrécia denunciou o abuso e suicidou-se. O caso gerou revolta, a aristocracia aliou-se ao povo e acabou com a monarquia. Tarquínio, o Soberbo, saiu de cena. Entrou Lúcio Júnio Bruto, o fundador da república de Roma, corria o ano 509 antes de

Cristo.Por cá também tivemos inúmeros casos. Quem não se lembra da história de João Fernandes Andeiro, conde, que começou por se entreter em Estremoz com a rainha D. Leonor, sendo “que alguns que disso sabiam cuidavam deles não boa suspeita”, como escreveu Fernão Lopes. Os amores do conde e da rainha tornaram-se “escaldantes”, pelo menos ao nível do diz-que-disse, a rede social da época, até que o Mestre de Avis entrou pelo Paço, falou com Leonor, já viúva, matou o Andeiro e deu início a uma nova dinastia. Corria o ano de 1383 depois de Cristo.

Que hoje em dia este tipo de episódios não tenha a dimensão trágica, nem as consequências revolucionárias, como os atrás descritos, é apenas um sinal dos tempos. Ficamo-nos pelos 75 mil euros escondidos em livros e caixas de vinho no palácio frequentado pelo primeiro-ministro, cujo chefe de gabinete, Vítor Escária, e o “melhor amigo”, Diogo Lacerda Machado, se empenharam com zelo em cumprir a função de influenciadores mor do reino, no que a projetos de milhares de milhões diz respeito.

Mais surpreendente será, talvez, a pouca atenção ao passado histórico evidenciada por quem desempenha altos cargos governativos. António Costa rodeou-se de indefetíveis, valorizou as amizades pessoais, chamou para a corte toda uma série de personagens, digamos, curiosas, que não se esgotam nestas duas, antes em todo o historial de casos e casinhos com que fomos confrontados nos últimos anos.

Sim, a demissão era inevitável. E, sim, a antecipação das eleições era mesmo a única opção politicamente sustentável. A questão agora é outra, prende-se com a necessidade de tornar o país governável, de estabelecer entendimentos acerca de projetos estruturantes, da agenda de Estado deixar de ser marcada pela espuma dos dias. Para isso será necessário que a campanha eleitoral permita vincar diferenças, respeitando a opinião do outro, que não venha a ser tão “dura e suja” como antevê Rui Tavares, deputado do Livre. A avaliar pelos sinais, temo que seja ele a ter razão.

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