Luís Assis, advogado | Opinião
O Governo resolveu anunciar um apoio às rendas para as pessoas que ficaram sem capacidade de poder suportar a sua totalidade, tendo por base a média do rendimento disponível das famílias, publicando em decreto-lei as respectivas medidas.
Rendimento médio disponível das famílias, aferido ao ano anterior é aquele que lhes fica após pagamento de impostos, porque é, exactamente, aquele que podem gastar depois de pagarem impostos, numa interpretação lógica, de senso comum e bom senso.
Entendeu o Governo que, afinal, o rendimento disponível não era aquele que sobrava após impostos em sede de IRS, mas o rendimento bruto antes de impostos, numa interpretação perversa, sem senso e sem lógica, porque esse rendimento não está disponível para as famílias, porque sobre ele primeiro recairá o imposto de IRS.
Para isto, o Governo, após publicar o decreto-lei, “entendeu” que este não era suficientemente explicito e resolveu, por simples despacho, clarificá-lo, interpretando o sentido do rendimento disponível como aquele que o não é, diminuindo, desta forma os valores dos apoios a pagar.
Com esta interpretação enviesada o cálculo para efeitos de atribuição dos apoios à renda passou a ser o rendimento bruto, indisponível, em vez do rendimento disponível após impostos, obviamente de valor menor do que o primeiro.
O resultado foi que grande parte das pessoas que se enquadravam nos requisitos iniciais deixaram de ser elegíveis ou passaram a receber um valor menor, uma vez que o valor que serve de base de cálculo é maior, porque não é o rendimento disponível.
Foi a isto que o Governo chamou necessidade de clarificação do decreto-lei, isto é, o Governo publica uma coisa e aplica outra através de um artifício, para gastar menos dinheiro com as pessoas, não querendo saber da sua sorte.
Não altera o decreto-lei, mas dá-lhe outra interpretação, pensando que passava despercebida. Uma autêntica esperteza saloia. Descoberta a saloiice, lá veio a senhora ministra tentar explicar o inexplicável de alguém que foi apanha- do a querer interpretar aquilo que não carece de interpretação, para pagar menos do que aquilo que havia anunciado.
À semelhança dos apoios covid-19, nos quais o Estado apenas gastou um terço do que publicitou que iria gastar, propunha-se, agora, fazer o mesmo com o apoio às rendas. Apanhado, diz que vai fazer alterações. Veremos o que sairá…