Ana Luísa Delgado texto
Artista plástico envia “carta aberta” sobre monumento de homenagem ao Figurado de Estremoz. Obra encomendada pelo ex-presidente de Câmara, Luís Mourinha, em 2017, afinal já não deverá ser colocada nas Portas de Santa Catarina. Armando Alves diz-se “triste e desiludido”.
Na carta aberta enviada ao presidente e vereadores da Câmara de Estremoz, a que o Brados do Alentejo teve acesso, Armando Alves começa por referir que nunca “será demais sublinhar a importância que as artes devem ter no desenvolvimento do poder local e na afirmação do País”. Dito de outra forma: “O nosso rumo coletivo pode sempre ser aferido pelo modo como os responsáveis lidam com a Cultura”. E é aqui que apresenta razões de queixa.
Começando pelo princípio: em 2017 o Executivo da Câmara de Estremoz, à época liderado por Luís Mourinha, encomendou ao artista plástico, natural da cidade e há muito radicado no Porto, a criação de um monumento de homenagem aos Bonecos de Estremoz, classificados nesse ano como Património Cultural Imaterial da Humanidade. “Como é público, apresentei a conceção da ideia com o respetivo projeto, incluindo a sua visualização através de uma maqueta, incumbindo-se a Câmara Municipal de fazer as especificações técnicas com os cadernos de encargos necessários para as diversas componentes do monumento e solicitar orçamentos para a sua realização faseada”.
Armando Alves conta ter deixado uma lista de contactos de empresas “capazes de cumprir com as exigências técnicas que uma realização deste tipo comporta”. Tendo o município chegado, inclusivamente, a concretizar o projeto de estabilidade, com o cálculo de engenharia, para a base do monumento, desconhecendo o autor “o que mais terá sido elaborado para a elevação do volume construtivo, a iluminação e os jogos de água previstos”.
Na “carta aberta”, acrescenta que já com Francisco Ramos como presidente da autarquia, o processo avançou, tendo ficado “definida” a localização do futuro monumento junto às Portas de Santa Catarina. “Entretanto”, prossegue, “foi concretizada a plataforma geral em betão armado, com 22 metros de diâmetro, para receber a construção geral prevista no local onde efetivamente se encontra”.
Realizadas as eleições autárquicas, já depois da tomada de posse do novo executivo socialista, liderado por José Daniel Sádio, Armando Alves conta ter participado numa reunião com o novo presidente, para obter informação sobre o andamento do projeto. E é aqui que a “coisa” se complica: “Com espanto obtive a imediata resposta de que a obra não se iria realizar por decisão que vinha do antigo Executivo”. No seu relato da reunião, o artista plástico revela ter sabido da mudança de planos quanto à localização do monumento, tendo-lhe sido dito que, por decisão da anterior vereação, “irá um dia fazer parte de uma zona de lazer a criar nuns olivais para os lados de Mendeiros”.
Prossegue Armando Alves: “Penso que presidente já se terá arrependido de ter dito semelhante coisa, pois nem no tempo nem no modo é de admitir que tal seja para levar a sério”. Diz ter ficado “atónito com a informação”, o que o levou a questionar o ex-presidente sobre o assunto, “tendo-me este dito perentoriamente que a informação não era verdadeira”.
ESCOLHA DE CENTRALIDADE
Contactado pelo Brados do Alentejo, Francisco Ramos, ex-presidente da Câmara de Estremoz, diz lamentar a situação: “No momento em que se deveria estar a agendar a inauguração do monumento e a rejubilar com o que ele representa e com o valor acrescentado que traz para Estremoz, parece que alguém está a tentar criar obstáculos cujas intenções desconheço”.
“Espero que rapidamente impere a racionalidade e o bom senso de quem hoje tem o poder de decisão no município, para bem de todos aqueles que gostam de Estremoz e que veem na arte o expoente máximo da cultura de um povo”, acrescenta o ex-autarca.
De acordo com o artista plástico, na sua “carta aberta”, a futura localização do monumento “implica a escolha de uma centralidade ou de uma relação intrínseca com a cidade”, daí ter sido escolhida uma área junto às Portas de Santa Catarina. Segundo o atual Executivo, o plano de requalificação desse espaço, elaborado há dois anos, “não contemplava” a instalação do monumento. “Mas então com que razão se avançou para a criação da enorme plataforma em betão no local? Não houve alteração/adaptação do projeto de recuperação? Tal realização foi feita clandestinamente e sem o aval da Câmara? E depois, passados estes anos, não houve ainda tempo para concluir os procedimentos técnicos necessários para a conclusão dos trabalhos?”, interroga-se Armando Alves.
“Certo é que, da minha parte, as componentes artísticas de que fui encarregado foram produzidas (as figuras cerâmicas atingem 4,5 metros de altura), estando as peças de grandes dimensões e exigentes características técnicas à guarda do Município”, acrescenta.
Dizendo-se “triste e desiludido com a atuação do poder político em todo este processo”, Armando Alves refere ter-se empenhado “com esforço e dedicação neste trabalho, a pensar nas artesãs e nos artesãos do barro da minha terra. Recebi os maiores elogios pela realização artística que alcancei. Recebo agora a notícia, seca, de que o Monumento não será construído… ou que será remetido para um lugar inadequado e num tempo sem definição, podendo até perguntar-se se tal mudança poderá ser feita sem a anuência artística do criador das peças”, à guarda da Câmara Municipal. “Estou perplexo com a decisão comunicada e espero uma explicação mais detalhada para poder tirar da minha cabeça todo este incómodo. E, eventualmente, acreditar ainda numa reversão da orientação dada ao caso. É justo esperar-se o esclarecimento de tudo isto, para ao menos poder explicar a quem acreditou em mim e apreciou o meu trabalho, o que realmente aconteceu”, acrescenta.
Como referimos, o Brados do Alentejo tentou obter explicações junto do ex-presidente de Câmara, Francisco Ramos, que declinou pronunciar-se sobre o assunto tendo em conta ter cessado funções em outubro do ano passado e estar atualmente a trabalhar na Inspeção Geral de Finanças, “pelo que não me devo pronunciar a respeito deste assunto”.
“Quando tomámos posse, toda a decisão e processo que conduziu à não colocação do monumento no espaço estava determinado. O anterior Executivo entendeu que deveria colocar o monumento em questão num espaço que está a ser requalificado junto às Portas de Santa Catarina. Contudo, o projeto do boneco surgiu depois do projeto inicial. Isto é, não estava previsto e foi pensado à posteriori”, esclarece José Daniel Sádio, recordando que a obra deveria ter sido concluída em meados de setembro, ou seja, ainda antes das últimas eleições autárquicas. “Como é que conseguiríamos lá colocar um monumento quando não havia sequer um projeto e o anterior Executivo já tinha decidido que não o colocaria lá?”, interroga.
Ainda segundo o presidente da Câmara de Estremoz, “é praticamente impossível” instalar o monumento naquele espaço, devido à sua dimensão. “Neste momento temos a obra feita e são muitas toneladas que tínhamos de colocar naquele espaço… parece-me, daquilo que conheci, que é praticamente impossível. Mas não quero estar a avançar com mais nenhuma questão sobre isso. Prefiro resolver as coisas com seriedade e boa-fé”, conclui.