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Apicultores vivem dias difíceis. Produção de mel fica por metade

As alterações climáticas, os ataques de vespa asiática e a falta de apoios ao setor estão a deixar a apicultura em situação de “catástrofe total”. Há muito menos colmeias. E a produção de mel vai cair mais de 50%.

Ana Luísa Delgado (texto) e Bruno Lino Vassalo (fotografia)

Lázaro Cardoso produz mel no concelho de Fronteira. Tem à volta de 150 colmeias. E uma mão cheia de problemas, a começar pelas alterações climáticas – “têm influenciado muito a produção de mel” – e pelos pesticidas utilizados na agricultura, que destroem a diversidade da flora, “transformando toda a paisagem numa monocultura”. E, depois, há ainda os estragos provocados por um ácaro chamado varroa que infesta as colónias de abelhas e dizima as colmeias. As 150 que Lázaro Cardoso mantém correspondem a cerca de metade das que já teve.

“Não há apoios, não há subsídios, não há apoio direto ao apicultor. O apoio aos tratamentos contra a varroa, feitos duas vezes por ano, já foi gratuito, depois passaram a dar-nos 50% e o ano passado nem isso recebemos”, lamenta. Tem menos abelhas. E as que tem produzem menos mel. “Aqui na minha zona a produção corresponderá a cerca de metade do que era usual. No meu caso concreto estou a falar de uns 1500 quilos de mel”, revela o produtor, chamando ainda a atenção para o preço baixo a que o produto é vendido, muito por causa das importações. Sendo que, nalguns casos, “o que se importa são misturas de méis”, nomeadamente provenientes da América Latina, “que entram aqui de qualquer maneira, quando aos produtores portugueses são exigidas todas as condições”.

Em Borba, Célia Caldeia está ainda a dar os “primeiros passos” na apicultura. Começou há quatro anos, interrompeu durante dois, recomeçou o ano passado com 12 colmeias. “Obviamente que no próximo ano queremos ter mais colmeias e queremos aumentar a produção e aí já pensamos um bocadinho mais em mel”.

Embora sendo uma exploração recente, as alterações climáticas também já se fazem sentir: “Estávamos à espera tivemos mel mais cedo e depois muito rapidamente desapareceram todas as flores porque ficou muito calor e as abelhas ficaram sem alimento. Depois, com esta mudança tão rápida do tempo, de calor até muito tarde e agora chuva, muita chuva… só daqui por uns meses é que vamos avaliar as consequências em termos de produção”.

Pelas contas do presidente da Federação Nacional de Apicultores, Manuel Gonçalves, o setor está a passar a “pior crise” dos últimos 40 anos, com uma quebra de produção de mel estimada em cerca de 80% e explicada pela seca intensa e prolongada que afetou o país em 2022 e 2023. “Portugal perdeu cerca de 200 mil das mais de 700 mil colmeias”, refere o responsável, criticando a falta de apoios a um setor atingido por uma “catástrofe total”.

Outro apicultor, Adriano do Carmo, não tem dúvidas: “É um problema que toca a todos, sejam grandes ou pequenas explorações”. E se um produtor médio consegue chegar aos 1000 quilos de mel num ano normal, a verdade é que nos últimos três anos não tem chegado a metade dessa quantidade.

“No caso do Alentejo”, prossegue, “as chuvas neste momento não têm qualquer expressão para a produção de mel, só terão reflexo no próximo ano. O grande problema da apicultura portuguesa é que cada vez as primaveras são menos extensas. Ora, quando o auge da floração ocorre em fevereiro ou março, a seguir o calor acaba por matar a flora e as abelhas ficam sem pasto”.

“Também fiquei sem algumas colmeias. Não pela alteração climática da primavera, mas por uma outra condição que as alterações climáticas têm proporcionado: interferem diretamente com a reprodução das espécies”, diz Adriano do Carmo, sublinhando se esta a causa para a disseminação da vespa velutina e de outras vespas “perigosas” para a apicultura. “As vespas têm chegado ao outono e têm estado continuamente a fazer novos ciclos reprodutivos, a criar novas fundadoras pois o clima alterou-se de tal modo que a vespa deixou de morrer por essa altura. E onde vão encontrar alimento? Nas colmeias. Entram, invadem as colmeias às centenas ou até mesmo aos milhares e acabam por as destruir”, explica.

O “PARENTE POBRE” DA AGRICULTURA

Ainda de acordo com este apicultor, há pelo menos 15 anos que o sector anda a alertar os responsáveis políticos para o problema da vespa volutina [ou vespa asiática], uma espécie invasora que causa prejuízos ecológicos e económicos pois, sendo uma espécie carnívora, ao atacar os apiários dizima as populações de abelhas.

“Só agora é que se tornou um problema, quando as vespas começaram a andar nas janelas das pessoas que moram nas cidades. Aí, pronto, ‘caiu o Carmo e a Trindade’ e começaram a ser tomadas algumas medidas. Mas todas as vespas são prejudiciais para a apicultura”, refere Adriano do Carmo, criticando a “falta de apoios e de incentivos” para o que classifica como “o parente pobre” da agricultura. “Quando morre uma cabeça de gado o produtor pecuário, legitimamente, tem direito a uma indemnização. Quando um apicultor perde todas as suas colmeias não tem direito a nada. Como é que podemos ter uma apicultura evoluída se não investimos nela?”, interroga.

Além do mais, além de produzir o mel e a cera, a apicultura desempenha também uma “importantíssima atividade ecológica” já que sem abelhas não haveria polinização, e sem a polinização a própria vida do Homem na Terra estaria seriamente ameaçada. Segundo a Organização para a Alimentação e Agricultura, cerca de 75% da produção mundial de frutos e sementes para consumo humano depende da ação dos polinizadores, nomeadamente, das abelhas.

“HOUVE MUITA MORTANDADE”

Diz o apicultor Fábio Gonçalves que a época “foi particularmente complicada”, não só para si como para todos os produtores, por causa a seca e dos ataques da vespa velutina. Tinha cerca de um milhar de colmeias. Agora restam 300 e, “provavelmente ainda vou continuar a ter mais perdas”, diz ao “Brados do Alentejo”. “As vespas carregam as colmeias.

Buscam as abelhas, precisam de proteína e então as abelhas são a fonte de proteína disponível e fácil. No caso da volutina não identifiquei ninhos, no meu caso particular, mas presenciei e identifiquei vespas a matarem as abelhas e a levarem-nas das colmeias”. Segundo o apicultor, a este problema somou-se “a situação de carência devido à seca”.

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