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Fotógrafo António Xavier e os encontros com Saramago

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Nascido em Estremoz, António Xavier é um dos mais reputados fotojornalistas portugueses. Trabalhou em publicações como a “Flama”, “O Jornal” ou a “Visão”. No Centro de Ciência Viva está patente uma exposição que documenta o seu encontro, em Lanzarote, com José Saramago.

“Saramago e Pilar – Os Dias Felizes”. Ele, sentado. Ela a abraçá-lo. “Madrid, Lanzarote e Lisboa – o triângulo da ternura e da festa”, titulava a revista “Visão” nesse 15 de outubro de 1998. “Portugal está a receber José Saramago com euforia semelhante à de Espanha. Desde que há uma semana lhe foi atribuído o Nobel da Literatura, a Ibéria tornou-se uma festa”, escreve o jornalista Fernando Dacosta, enviado especial a Lanzarote, a ilha das Canárias onde Saramago havia estabelecido residência. Com Dacosta está António Xavier, repórter fotográfico nascido em Estremoz, o homem que regista em imagens esses momentos únicos na vida do escritor.

“Estamos num restaurante típico da ilha. Com humor, contam-se novidades da zona e tricas de ocasião. Saramago não é ali o Nobel nem Pilar a sua assessora. São apenas um casal descontraído, e cúmplice, entre outros. Faz calor. Músicas árabes soam à distância”, escreve Dacosta. “Posso dizer-vos que isto de ganhar o Nobel dá um trabalho dos diabos”, desabafa Saramago. E António Xavier regista todos esses momentos. Na foto principal, que ilustra o artigo, vemos Pilar del Rio encostada a um sofá, no qual se encontra Saramago a afagar dois pequenos cães. Uma imagem de família que, contudo, não faz parte da exposição “Encontro José Saramago – António Xavier”, patente ao público no Centro de Ciência Viva, em Estremoz.

Nem essa, nem uma outra, que retrata a receção apoteótica de Saramago no aeroporto de Lisboa: “Rosas, gerberas ou cravos. Muitos olhos húmidos, vozes embargadas, cravos na lapela, abraços comovidos”, relata Fernando Dacosta. Ao lado do escritor está o então primeiro-ministro, António Guterres, hoje secretário-geral das Nações Unidas.

A fotografia de António Xavier mostra-nos um José Saramago algo surpreendido, mas claramente feliz, com os aplausos de quem o esperava. “Gosto de me assumir, mas não de me exibir”, diz o escritor à revista. E a frase é utilizada como legenda de uma fotografia onde Saramago aparece, de sorriso nos lábios, junto a um cartaz de … José Saramago. E esta, sim, é uma das 18 imagens que integram a exposição, programada a propósito do centenário do escritor.

António Xavier nasceu em Estremoz, no Largo do Espírito Santo. O pai trabalhava no “Brados do Alentejo”, como fotocompositor manual, sob a direção do fundador do jornal, Marques Crespo. A mãe era doméstica. “Naquela altura não havia mulheres a trabalhar fora de casa. A minha vivência era passar os dias na brincadeira, ou na Quinta da Galega… tomávamos lá banho, no tanque. Foi ali que aprendi a nadar. Fiz aqui a escola primária e a admissão ao liceu, mas nessa altura o meu pai já estava a trabalhar em Lisboa. Portanto, aos 12 anos, chamou-nos para lá e toda a família foi viver para Lisboa, perto do Cais do Sodré, uma zona de que gostei muito”.

Nessa altura, recorda, chegavam os barcos com soldados norte-americanos que “corriam” para os bares. Não raras vezes, as noites acabavam com cenas de pancadaria. “Gostava de ser esse espetáculo, à distância. Depois lá vinha a polícia naval e levava alguns”. Para um rapaz nascido no campo, a cidade era um “deslumbramento”. É por essa altura que “enterra” os estudos e começa a trabalhar, primeiro numa drogaria, depois em fotografia. Já chegaremos a esse capítulo. Antes, um dos outros “amores” do jovem Xavier: “Quando cheguei a Lisboa estava mesmo apaixonado pela columbofilia, agarrei num caixote, coloquei uma rede e meti lá dois borrachos que comprei na praça. Depois pegava neles, ia até ao Conde Barão, ou à Estrela, largava-os e eles vinham ter ao pombal. Gostava daquilo”.

Por essa altura, a idade mínima para ingressar no mercado de trabalho eram os 14 anos. E foi justamente com essa idade que António Xavier começou a trabalhar numa empresa chamada Neogravura. “Ia para lá toda a semana, fazer impressão de fotografias em diapositivos para serem publicadas em ‘O Século Ilustrado’… era um processo complexo, no qual o montador de diapositivos cortava as fotos de acordo com o tamanho que o paginador tinha marcado”. Sucede que ao seu lado trabalhava Eduardo Gageiro, que, à época, se começava a afirmar como fotojornalista. “Ele viu que eu tinha habilidade para aquilo e, então, levou-me para o laboratório dele, para fazer impressão das fotos. Passados seis meses mandou-me fazer reportagem fotográfica”. 

Nascia assim um dos mais prestigiados repórteres fotográficos portugueses. “A primeira reportagem que fiz foi no Algarve, quando um tremor de terra deixou muitas localidades arrasadas. Depois marcaram-me uma reportagem de luta livre, com o Tarzan Taborda, no Coliseu. O primeiro serviço no estrangeiro foi com a Simone a cantar ‘A Desfolhada” em Madrid”, lembra.

Por entre centenas de reportagens no país e no estrangeiro [esteve em mais de 25 países], António Xavier trabalhou em algumas das mais prestigiadas publicações nacionais, como a revista “Flama” – é sua uma foto icónica de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, as “três Marias”, em maio de 1974 – a revista “Sábado” (fundada por Joaquim Letria), o semanário “O Jornal” e, mais tarde, a revista “Visão”.

Dos seus três encontros com José Saramago – em trabalhos de reportagem nos quais acompanhou Fernando Assis Pacheco, Fernando Dacosta e José Carlos de Vasconcelos – resulta a exposição agora patente ao público no Centro de Ciência Viva. “Almoçámos em casa deles, foi a Pilar del Rio que cozinhou… as pessoas reconheciam-no em todo o lado, lá em Lanzarote. Até parecia que não era português”.

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