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Crónica de Jorge Araújo: “Alentejo, julho de 2050” (parte I)

O Alentejo está condenado a desenvolver-se, disse alguém. Esperemos que o faça sem se descaracterizar como aconteceu com outras regiões. Para nos certificarmos, viajámos até 2050 e seguimos os passos de uma família sueca, curiosa por descobrir esta ponta da Europa “onde a terra acaba e o mar começa”.

Jorge Araújo (texto) e Susa Monteiro (ilustração)

João admirava a imagem da planície balizada, ao longe, pela floresta, que aquele luar de julho delineava a preto e branco, enquanto esperava o comboio internacional. O TGV Estocolmo-Lisboa irrompeu por detrás de uma curva, à hora exata. Para quem estivesse distraído, apenas um ligeiro silvo teria anunciado a chegada do comboio de levitação eletromagnética. Eram exatamente 11 da noite. João aguardava ansiosamente a namorada, uma jovem sueca que conhecera em Istambul e por quem se enamorara nos céus da Capadócia, durante um passeio em balão. Talvez por a Capadócia ser tão diferente do Alentejo, João alimentou o sonho de lhe mostrar a sua terra natal, plana e verdejante.

Enfim, o programa não seria inteiramente aquele que idealizara porque Helga vinha acompanhada pelos pais, Erik e Greta Gunnar, também eles curiosos de conhecer o extremo ocidental da Europa, e a cidade onde a filha previa viver com entusiasmo uma pós-graduação em energia. Évora pilotava um “silicon valley” europeu da energia, uma extensa área repleta de micro, pequenas e grandes empresas polarizadas pelas tecnologias inovadoras na captação e domesticação da energia solar. Em parceria com a Universidade, aqui nasciam e ganhavam as asas de mercado numerosas soluções tecnológicas, nomeadamente no sector das baterias. Helga era licenciada em Física deixara-se seduzir pelo problema do armazenamento da energia, ainda tão dependente das pesadas baterias de lítio.

Os Gunnar saíram do comboio e foram surpreendidos por uma lufada cálida. João identificou a família entre os muitos viajantes que se apeavam, pela farta cabeleira ruiva da namorada que, logo que o viu, correu a abraçá-lo. Seguiram-se as apresentações e cumprimentos, a recolha da pouca bagagem que traziam embora tencionassem aproveitar inteiramente os 30 dias de férias para visitarem a região; mas com o clima previsto não precisariam de muita roupa.

A estação de Évora é um nó ferroviário importante onde chegam e de onde partem comboios e autocarros em todas as direções. Mesmo àquela hora, estava cheia de gente em trânsito, ou que apenas convivia, tirando partido da esplanada que ocupava por inteiro a placa superior da estação; a relativa frescura da noite a isso convidava.

João conduziu os Gunnar ao parque subterrâneo onde deveriam apanhar o “minibus” pendular entre a estação e a cidade. Sincronizado com o horário dos comboios, o “bus” recolheu os viajantes e partiu, silencioso, na sua pista privativa. João aproveitou para fazer uma breve apresentação da cidade desenvolvendo um pouco a sua história, e anunciar-lhes o programa que lhes reservara para o dia seguinte.

Assim conversando, avistaram as luzes da cidade. João explicou que a cidade antiga, onde seriam alojados, se erguia numa colina e que, em lugar de subirem, como fariam se fossem a pé, iriam entrar por um subterrâneo. De facto, o veículo, ao aproximar-se de uma das portas da cidade, entrou por um túnel o qual rapidamente se abriu num imenso parque subterrâneo, amplamente iluminado. João explicou-lhes então que Évora, face às ondas de calor crescentemente longas e intensas, tinha optado por criar um amplo abrigo subterrâneo, escavando o “miolo” da colina.

Erik Gunnar, que era engenheiro, quis saber como tinham conseguido furar a rocha. João explicou-lhe que tinham recorrido à tecnologia amplamente testada em Lisboa, na abertura dos túneis do metropolitano; o mais difícil tinha sido lidar com o sistema freático, mas, mesmo isso, tinha sido superado. Ia-lhes falar do problema dos vestígios arqueológicos com que se deparam cada vez que abrem um buraco à superfície, quando o “bus” estacionou e uma voz feminina os informou de que tinham chegado ao seu destino.

Com os seus atrelados, dirigiram-se para uma escada rolante que João lhes indicou. Pouco depois, saíram para o exterior no meio de um jardim e deparam-se de imediato com um imponente templo romano iluminado. João havia escolhido precisamente uma das 24 saídas do parque subterrâneo, localizada no jardim da acrópole. O contraste entre a tecnologia do século XXI e a arquitetura romana do século I fez as honras de apresentação de Évora à família sueca. Erik estacou de súbito e apontou para cima: realizara naquele preciso instante que o templo era contemporâneo de Jesus Cristo! também Greta, que era licenciada em História, apontou para cima chamando a atenção para o estilo coríntio, das colunas.

Os visitantes ainda se não tinham refeito do pasmo quando João lhes indicou o majestoso. edifício do Tribunal da Inquisição, assegurando-lhes, contudo que os juízes já se tinham reformado.

Encaminharam-se para o alojamento que João lhes reservara, uma casa senhorial histórica convertida em alojamento local. Àquela hora, ainda não se tinham apagado as luzes; no pátio da casa, um trio musical e um sortido de vinhos animavam o serão de uma dezena de hóspedes.

A situação era sedutora, mas a família Gunnar, cansada de uma longa viagem, preferiu recolher-se. Helga deixou os pais subirem primeiro, para poder despedir-se de João. Não que ela se acanhasse com a presença dos pais, mas João, certamente não estaria à-vontade para a beijar, como ela ansiava.

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