PUBLICIDADE

Alentejo: Ainda há 25 mil pessoas sem saber ler nem escrever

Maria Antónia Zacarias texto

A taxa de analfabetismo tem vindo a descer, mas no Alentejo ainda é quase o dobro da média nacional. Nos distritos de Beja, Évora e Portalegre e nos quatro concelhos do litoral alentejano integrados no distrito de Setúbal, o Instituto Nacional de Estatística contabilizou 25.811 pessoas que não sabem ler nem escrever, 64% das quais são mulheres.

“Porque é que eu me esqueço das letras? Sinto-me tão triste! Vou treinando a minha assinatura. A minha irmã dá-me na cabeça para eu ir treinando, para continuar a treinar. Gostava muito de ter a minha independência. Quando olho para o meu braço sei que tenho os nomes tatuados das minhas filhas Diana e Marta. Não consigo ler, só sei desenhar as letras, mas são as minhas filhas que me dão força para continuar a viver”. 

É este o testemunho de Susete Pinheiro, 44 anos, residente na Freguesia de São Bento do Mato, Azaruja. Uma dor, a do analfabetismo, que a tem acompanhado ao longo da vida. Conta que chegou a frequentar a escola, mas esquecia-se de tudo. “Eu fazia uma cópia, tinha a professora ao meu lado para me ajudar a ler, mas quando me pedia para eu ler sozinha já não conseguia”. O pai acabou por “tirá-la da escola”, foi trabalhar para o campo.

Conta Susete Pinheiro que esta “limitação” lhe condiciona a vida. “Não vou ao banco porque não sei dizer o que quero. Não consigo ir ao multibanco porque apesar de conhecer os números não consigo ler o que está lá escrito. Não sei fazer trocos, mas conheço as notas e as moedas”. Uma vida de obstáculos que se pauta também pelas relações sociais. “Não tenho Facebook porque não sei escrever e enviar mensagens. Tenho consciência dos meus problemas. Assino, sei desenhar o meu nome e nada mais”.

O facto de ser analfabeta tem tido igualmente implicação na sua saúde mental. “Tenho sido sempre muito nervosa. Tomo medicação, mas fixo as caixas e sei quais são os comprimidos que devo tomar durante o dia. Quando não há os que tomo normalmente e mudam o laboratório, desconfio logo. Vivo muito triste. Às vezes, de noite, choro e sofro muito”, confessa. 

Apesar de tudo, Susete continua a sonhar: “Gostava de aprender a ler e a escrever e poder tirar a carta. Andei à escola à noite, mas depois esqueci-me do que aprendi, mas gostava de voltar se tivesse essa oportunidade”. Será que algum dia vai ter? 

Bravo Nico, professor associado com agregação na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora/Departamento de Pedagogia e Educação, salienta que é preciso “assumir que a educação não tem rugas nem veredas”. A seu ver, todos têm direito à educação, independentemente da respetiva idade, localização geográfica, posição social ou nível cultural. “Aprender a ler e a escrever deve ter tanto valor quanto aprender um teorema de matemática num curso de engenharia. Por outro lado, a aprendizagem da leitura e da escrita, na idade adulta é, quase sempre, um ato de justiça social e de reparação de uma desigualdade que se viveu em criança/jovem”.

Mas quais são as razões de haver pessoas analfabetas ainda hoje? “Principalmente, a falta de acesso, nos territórios, às modalidades de educação formal em competências básicas adaptadas a cada contexto humano e social”, considera, acrescentando ser necessário uma política pública do Estado que valorize este tipo de formação.

A IMPORTÂNCIA DAS ESTRATÉGIAS LOCAIS

E onde fica o poder local neste processo? De acordo com o investigador Bravo Nico, a promoção da literacia, em geral, e da alfabetização, em particular, deverá ser uma das finalidades estratégicas dos planos municipais para o desenvolvimento humano e social. “O poder local pode contribuir para a elaboração e concretização de uma estratégia que promova o acesso a modalidades de aprendizagem formal da leitura e da escrita para quem as queira frequentar”, sustenta. Na realidade, atualmente, “são raras as ofertas promovidas pelo sistema oficial de educação e formação de adultos, através dos Centros Qualifica, na área das competências base. Este acesso só poderá ser disponibilizado e concretizado se existir, em cada território, uma abordagem desenhada e concretizada de acordo com as características locais e envolvendo instituições da sociedade civil e as próprias pessoas”. 

Um desses exemplos é a Escola Comunitária de São Miguel de Machede que, este ano comemora 25 anos de atividade, tem desenvolvido, ao longo de toda a sua existência, projetos e atividades dirigidas aos adultos, nas quais, se incluíram, durante muitos anos cursos de alfabetização.

Trata-se de uma estratégia reiterada pela Associação Portuguesa de Educação e Formação de Adultos, cujo presidente lembra que as pessoas que não sabem ler, nem escrever, “refugiam-se, não gostam de se expor”, nem encontram “recetividade” a nível social. Armando Loureiro defende a criação de atividades culturais, cívicas e formativas porque a pessoa adulta pode ser analfabeta, “mas é um poço de competências, de sabedorias que têm de ser valorizadas, partindo depois para a possibilidade de lhes proporcionar outras competências que não têm”.

Armando Loureiro salienta que ao número de pessoas que não sabe ler, nem escrever se somam mais de dois milhões de portugueses que têm dificuldade em interpretar. “Durante estes 49 anos de liberdade, os principais partidos não foram capazes ainda de naturalizar a educação de adultos como uma resposta social. Defendemos a continuidade da oferta que existe, mas fundamentalmente, também defendemos um acréscimo da formação não formal ou informar que ajude todas estas pessoas”, conclui.

EM MONFORTE, 11,76% DA POPULAÇÃO NÃO SABE LER

De acordo com o INE, 6,4% da população residente no Alentejo não sabe ler nem escrever, sendo que a média nacional é de 3,08%. No caso das mulheres, a taxa de analbafetismo no Alentejo é de quase 7,4%, que compara com os 3,9% a nível nacional. Sendo um problema “transversal” a toda a região, alguns concelhos registam números substancialmente mais elevados que a média regional. Em Monforte, o analfabetismo afeta 11,76% da população (15,28% no caso das mulheres), sendo a maior taxa a nível regional. Arronches, Alvito, Ourique, Almodôvar, Sousel, Alter do Chão e Avis ficam acima dos 8%. A análise aos dados do INE permite constatar uma diminuição da taxa de analfabetismo, que em 2011 chegava aos 10,72% da população residente.

Partilhar artigo:

FIQUE LIGADO

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

© 2024 SUDOESTE Portugal. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por WebTech.