Ana Luísa Delgado, texto
O Alentejo poderá perder 25% da população residente nas próximas décadas. De acordo com uma projeção do Eurostat, gabinete de estatísticas da União Europeia, em 2050 a região terá menos 118 mil habitantes.
A projeção foi transposta para o mais recente relatório do grupo de trabalho da Estratégia Comum de Desenvolvimento Transfronteiriço e indica que, sem saldo migratório, o Alentejo – entendido como o correspondente aos distritos de Beja, Évora e Portalegre e aos quatro municípios do litoral alentejano no distrito de Setúbal – irá perder 25% da população nas próximas décadas. O gabinete de estatísticas da União Europeia diz que, em 2050, o número de residentes na região será muito inferior ao atual: menos 118 mil habitantes.
De acordo com esta previsão, o Alentejo terá, então, 350 mil habitantes, sendo que apenas o Alentejo Central, correspondente do distrito de Évora, terá uma população superior a cem mil habitantes. No Alto Alentejo, o Eurostat perspetiva uma quebra demográfica na ordem dos 31%.
“Qualquer região é inviável com estes indicadores”, diz Maria Filomena Mendes, demógrafa e atual presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, ressalvando que as projeções demográficas são feitas “a partir de cenários que traduzem o que aconteceu no passado”, sendo que no caso do Alentejo se tem assistido a um progressivo despovoamento da região.
“Nos últimos anos temos tido na região do Alentejo um drama grande de diminuição da população, por saída de pessoas, principalmente das mais jovens, e também porque temos uma natalidade muito baixa”, acrescenta Maria Filomena Mendes, explicando que a projeção de cenários de evolução da população “tem por base” os dados estatísticos existentes.
Ou seja, “há a possibilidade de ocorrerem alterações, ao nível do desenvolvimento regional e da capacidade da economia, que permitam um crescimento sustentável, criar empregos e tornar a região atrativa para determinados setores da população. Isso poderá reverter o cenário tendencial e bastante negativo apontado pelo Eurostat”.
A demógrafa lembra que ao envelhecimento da população se juntam uma baixa natalidade e saldos migratórios negativos, “não só para outras regiões do país como também para o estrangeiro”, o que complicam as contas. Ainda assim, acrescenta, “podemos sempre ter uma expectativa positiva desta projeção ficar mais amenizada com outras alterações que possamos ter a nível da própria região e que permitam reverter um pouco este declínio populacional”.
Segundo Maria Filomena Mendes, o declínio demográfico da região “acaba por ser consequência de alguma incapacidade em ter mais empregos e fixar a população jovem”. A imigração, sustenta, “poderá ter um papel importante” mas não “será o único” fator suscetível de inverter esta tendência. “Temos uma natalidade em declínio e uma forte saída da população, sobretudo em idade ativa, o que vai implicar menos nascimentos e agravar o problema”.
De acordo com a demógrafa, “é preciso ter uma visão para a região e fazer as escolhas certas numa perspetiva de médio e longo prazo, para que se consiga recuperar a capacidade de atratividade e de fixar os jovens”, não apenas os que aqui nasceram, mas também os provenientes de outras regiões do país e do mundo. “Esse é um desafio e não se pode apenas esperar que a demografia, por si só, se venha recompor ao fim de tantos anos de declínio. É preciso que entrem [em campo] todas as vertentes”. E entre estas inclui-se a economia, a promoção de políticas públicas de apoio à natalidade – “é preciso perceber porque é que temos uma tão baixa taxa de natalidade há tanto tempo, quais as razões que o explicam e o que é que se poderá fazer para inverter esta tendência” – e o investimento em áreas setoriais como a habitação ou o emprego qualificado.
“Quando falamos em recuperação da natalidade falamos também em melhores condições de vida, de habitação, empregos que vão ao encontro das expectativas dos mais jovens, mais qualificados, e que esperam ter salários compatíveis com o investimento que fizeram na sua formação. Se não os encontram na região vão procurar fora dela e temos muita dificuldade em perceber como é que jovens com as mesmas competências se venham aqui fixar”, sublinha.
“MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO”
Presidente da Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo (ADRAL) e da Câmara de Alandroal, João Grilo concorda que as projeções do Eurostat se baseiam “numa perspetiva” que tem em conta a evolução estatística das últimas décadas, pelo que os resultados “poderão ser diferentes” tendo em conta que o Alentejo se encontra “num momento de profunda transformação, tal como o modelo de desenvolvimento global”, que coloca novos “desafios” às diferentes regiões.
“Nem tudo está perdido e há uma grande possibilidade de conter e até de inverter essa tendência de despovoamento. Estamos num momento de mudança de paradigma energético, de ligação ao território, de novas opor- tunidades de trabalho e de fixação de pessoas. Isto é algo que está a acontecer pela primeira vez no Alentejo e que se irá manter nas próximas décadas”, acrescenta João Grilo, defendendo também a necessidade de adoção de políticas nacionais e regionais “que promovam a natalidade e a fixação de novos residentes”.
O dirigente da ADRAL diz não estar “apenas a falar de migrantes que venham ocupar nichos de trabalho que são difíceis de preencher pela população local”, mas também de “nómadas digitais” e de “visitantes que entendam a nossa cultura de uma forma mais profunda e que nos procurem mais vezes” ao longo do ano.
“O Alentejo tem um conjunto de oportunidades como nunca teve, está no centro da produção energética limpa, da digitalização e das novas tecnologias, do estilo de vida em equilíbrio com a natureza e precisa de pessoas para que tudo isto funcione. Tudo isto poderá minimizar os impactos projetados pelo Eurostat”, conclui.
CEIA DA SILVA CONTESTA PREVISÕES DO EUROSTAT
O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, Ceia da Silva, diz “contestar” a projeção demográfica do gabinete de estatísticas da União Europeia, garantindo que “vai haver muita criação de emprego”, nomeadamente através do Alentejo 2030 (com orçamento superior a mil milhões de euros) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “Se me dissesse que neste circuito haverá necessidade de haver habitação, creches, escolas de qualidade, equipamentos de saúde… com o grau de investimento direcionado ao Alentejo e com os investidores que têm procurado o território, não acredito que a região perca 118 mil habitantes nas próximas décadas”, acrescenta.