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Absentismo escolar no topo dos casos da CPCJ de Estremoz

Luís Godinho texto | Gonçalo Figueiredo fotografia

Mais de um em cada três processos instaurados pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Estremoz está relacionado com o absentismo e abandono escolar. Só em 2020, o ano mais condicionado pela pandemia, é que o número de casos de violência doméstica foi superior.

Ao contrário do que sucede noutros concelhos, como Évora, onde o principal foco da CPCJ está nos casos de violência doméstica, em Estremoz o maior número de processos decorre do absentismo ou abono escolar. Dados dos últimos cinco anos demonstram a existência de um número de processos “mais ou menos estável, embora com uma ligeira tendência decrescente”, em torno dos 100 casos anuais. Destes, os relacionados com o absentismo escolar quase triplicaram entre 2018 e 2022, passando de 13 para 35% do total de processos.

Só em 2020 é que o número de casos sinalizados por violência doméstica foi superior, representando 24% do total. “Foi um ano maioritariamente passado em isolamento”, lembra Sílvia Cuco, ex-presidente da CPCJ de Estremoz, encontrando aí a explicação para essa “inversão nos valores das tipologias de perigo” comunicadas à instituição. “Nesse ano houve um acréscimo significativo e foram instaurados mais processos de violência doméstica do que de absentismo, justificados pelo facto de as famílias terem que ficar todas no mesmo espaço durante muito tempo”.

“Por outro lado”, acrescenta, “foi possível verificar que a partir de 2021, em especial na altura do desconfinamento, os números de absentismo voltaram a disparar, mais que anteriormente, quer por alegado medo da pandemia, quer por algumas crianças terem ficado afastadas tanto tempo da escola que a pouca valorização que já existia se tornou ainda mais acentuada”.

Segundo Sílvia Cuco, a existência no concelho de Estremoz de um maior número de processos relacionados com absentismo escolar, que inclui situações distintas como negligência (faltas sucessivas) ou abandono, radica no “enquadramento social que dispomos no concelho”, em particular no Bairro das Quintinhas, cuja comunidade “não valoriza a escola, o que faz disparar os números relativos ao absentismo e à educação no geral”.

Concluída uma ligação de cinco anos à CPCJ de Estremoz, período durante o qual desempenhou funções como técnica, presidente e secretária, Sílvia Cuco foi distinguida com um “voto de louvor” aprovado por unanimidade na Câmara de Estremoz. Em entrevista ao Brados do Alentejo diz ser possível “falar num antes e num depois” da pandemia, período durante o qual, apesar das comissões nunca terem deixado de funcionar, “tornou-se mais difícil o acesso às famílias, que por vezes só se conseguia telefonicamente”, devido às restrições para minorar os impactos da covid-19.

Foi neste período, em 2020, que se registou um “pico exponencial” dos casos de violência doméstica, “por norma a segunda tipologia de perigo” mais acompanhada pela CPCJ de Estremoz. Nesse ano, 24% dos processos abertos tiveram a sua origem em casos de violência doméstica, percentagem que baixou para cerca de metade em 2021, voltando a registar um aumento em 2022.

“Infelizmente a análise mostra-nos que os números têm vindo sempre a aumentar”, lamenta Sílvia Cuco, sublinhando que, em todo o caso, “devido às sucessivas alterações à lei e ao facto de ser um crime público”, existe hoje em dia “menos tolerância por parte da sociedade” em relação à violência doméstica, que se tornou “mais difícil” de esconder. “Na minha opinião o problema não está na lei, que a meu ver é suficiente para proteger as vítimas, o problema está na sua execução e em todo o processo que uma vítima tem que passar após a agressão pois os apoios disponibilizados por vezes mostram-se insuficientes para a proteger”, sublinha.

SEM CASOS DE ÁLCOOL

“Por incrível que pareça”, frisa Sílvia Cuco, ao longo dos cinco anos em que esteve ligada à CPCJ de Estremoz “não recebemos qualquer sinalização de crianças ou de jovens por consumo de álcool dos próprios, apenas dos progenitores, e posso dizer que só recebemos sete sinalizações relativas a consumo de estupefacientes”.

Apesar de não terem sido sinalizados casos em Estremoz, recorde-se, um relatório recentemente divulgado pelo Alenriscos – Observatório dos Consumos no Alentejo, revelou que metade dos alunos da região que frequentam entre o 7.º e o 9.º ano de escolaridade, a maioria com idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos, já teve comportamentos de risco, seja consumo de álcool (o mais frequente), tabaco ou drogas.

“Penso que a sociedade ainda é muito tolerante em relação ao consumo de álcool e desvaloriza os consumos”, refere a ex-presidente da CPCJ de Estremoz, lembrando que “embora só se possa legalmente consumir bebidas alcoólicas a partir dos 18 anos, infelizmente sabemos que tal não acontece e não há uma fiscalização eficaz para combater o problema”.

Além do absentismo escolar e da violência doméstica, as principais tipologias de casos acompanhados por esta comissão incluem exposição a comportamentos que afetem gravemente a segurança de crianças e jovens ou o seu equilíbrio emocional e processos abertos na sequência de comportamentos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento. 

“SER POBRE NÃO É MOTIVO PARA SER ACOMPANHADO PELA CPCJ”

A ex-presidente da CPCJ de Estremoz garante “não ser possível” falar-se em discriminação negativa das famílias com menores recursos, uma vez que ali chegam processos de famílias “de todos os contextos” sociais ou económicos. “Costumo dizer muitas vezes que ser pobre não é motivo para ser acompanhado pela CPCJ, para esse tipo de ajudas económicas e alimentares existem outras entidades que a meu ver funcionam muito bem em Estremoz”, acrescenta Sílvia Cuco, sem esconder que o “contexto social, em que toda uma comunidade não reconhece um determinado valor, pode de alguma forma ser responsável por uma desvalorização relativa a assuntos como a educação”.

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