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A “nova vida” das escolas que fecharam por falta de alunos

Margarida Maneta texto

No Alentejo despovoado e envelhecido, as escolas primárias foram encerrando umas atrás das outras por falta de alunos. Fecharam 816 desde o início do século. São espaços que aos poucos têm vindo a ganhar novas vidas, dando os quadros, o giz e os cacifos lugar a televisões, exposições ou até mesmo beliches.

Ao passear as ovelhas por Santo Antonico (Évora), Filipe Ventaneira, de 35 anos, sentava-se frequentemente nos degraus da escola primária onde estudou. As memórias eram tantas, “pensava em tanta coisa que até me vinham as lágrimas aos olhos”. Mas, depois, olhava para o edifício “e estava tudo abandonado”.

A Câmara de Évora, na intenção de reabilitar espaços como este, colocou-os a concurso. O grupo de BTT da Malagueira – Amigos do Pedal, a que Filipe Ventaneira pertence e que até então se reunia informalmente pelo convívio, contacto com a natureza e desporto, viu aqui uma oportunidade de ter uma sede. E em 2020 tomou conta do espaço. Agora está tudo diferente. Ou quase. “Cada vez que lá entro lembro-me sempre de quando lá estudava, do local onde tínhamos os cacifos… e partilho essas memórias”, comenta, entre risos.

Quem entra pela antiga Escola Primária de Santo Antonico encontra um espaço renovado. A cal branca deu lugar à tinta amarela, algumas cadeiras foram substituídas por sofás, a instalação elétrica é nova e, no fundo da sala, o quadro de giz deu lugar a uma televisão. Construiu-se uma cozinha, renovaram-se as casas de banho e improvisou-se um pequeno bar. O soalho, por sua vez, mantém-se intacto, bem como a fachada exterior. Se Filipe Ventaneira frequentava o 4.º ano de escolaridade, numa escola com 40 alunos, agora, continua a ocupar o espaço, pertencendo a um grupo com cerca de 36 associados. 

As histórias que por ali coleciona são muitas e algumas delas recordam-no do “antigamente”. Se, há pouco tempo, as bicicletas, encostadas umas às outras e à árvore no recinto da escola, caíram, Filipe Ventaneira associou de imediato esse episódio ao dia em que, dentro da sala de aula se ouviu o estrondo de uma outra árvore a cair, também no recinto escolar, e, julgava-se na altura, em cima do carro da professora. Sorte a da docente que parecendo estar a adivinhar, tinha estacionado noutro sítio. Os donos das bicicletas, conta, dessa previsão já não se podem vangloriar.

“Encontrámos a escola com um elevado grau de degradação. É bom que as associações lhe possam dar vida porque são projetos únicos de norte a sul do país”, acrescenta, Orlando Pina, presidente da direção desta associação.  Esta escola em particular, adianta, tem a “localização ideal” porque fica na estrada que faz ligação à Serra de Valverde, com percursos pedonais ou de ciclismo valorizados pelos sócios.

ESCOLAS MUSEUS

Em Veiros idealizou-se, “há já alguns anos”, o Museu-Escola. O objetivo é, segundo Elsa Severo, chefe de gabinete do presidente da Câmara de Estremoz, valorizar o espólio e o local, a que se vai juntar também o espólio do Museu Rural de Veiros. “Esta escola foi inaugurada nos anos 29/30 do século passado, sendo apenas destinada a crianças do sexo masculino. Neste espaço estão também as casas de função dos professores”, revela. A juntar a isto, o espólio inclui materiais de aprendizagem como “ossadas para ensinar a parte da anatomia, animais embalsamados e muitos livros”. 

Ainda a precisar de obras, Elsa Severo acredita que a antiga escola primária vai dar lugar a “um ponto de turismo, um espaço museológico, numa freguesia, fora do núcleo da própria cidade. Não existem muitos museus escolares no país e o facto de termos um museu escolar numa freguesia vai ser bastante enriquecedor”.

Já em Belver, no concelho de Gavião, a antiga escola primária deu lugar ao Museu do Sabão, que o vice-presidente do município, António Severino, considera ser “um dos maiores polos de desenvolvimento turístico do concelho”. O museu preserva a fachada da escola primária, mas por dentro o espaço foi adaptado. “Queríamos recordar a memória coletiva do povo, a partir do museu, mas não podíamos apagar o que tinha sido aquele espaço enquanto estabelecimento de ensino, importante para a freguesia e para o concelho”.

A temática do museu prende-se com a história das suas gentes. Representa a “história da vila uma vez que no século XVI, a produção de sabão tinha uma importância económica e social nesta região. Inclusive, existia uma fábrica de sabão”, explica António Severino

HOSTEL NO ALQUEVA

A história do Alqueva Hostel é semelhante a todas as outras que por aqui já se contaram. No concelho de Portel, a freguesia de Alqueva deixou de ter crianças em número suficiente para manter a escola primária aberta e esta acabou por ser encerrada. Fechou-se uma porta, abriu-se uma janela. Ou melhor, uma unidade hoteleira. Em 2014, inaugurava-se o Alqueva Hostel cuja gestão foi entregue à ADA, uma instituição particular de solidariedade social.

Segundo Rute Farinha, diretora de serviços da ADA, a ideia é que “os lucros ou proveitos desta unidade sejam reinvestidos na parte do apoio social”. Mas tudo com “passinhos de bebé” porque na hotelaria eram, à data, inexperientes.

As nove salas de aula deram lugar a nove quartos, equipados com beliches. “Tínhamos melhor aproveitamento do espaço fazendo o hostel, com vários beliches em cada sala transformada em quarto”, explica Rute Farinha, acrescentando que os hóspedes acham “uma proposta interessante, dizem ser uma surpresa agradável”. Até porque, adianta a diretora associação, quando esta unidade foi inaugurada, “ainda não havia muitas escolas a ser utilizadas com outros fins”. 

A procura por este espaço tem crescido nos últimos anos. “Com a inauguração da praia fluvial da Amieira, em 2019, sentiu-se o crescimento da procura”. Só que, entretanto, veio a pandemia de covid-19. “Estivemos encerrados e o número de hóspedes desceu consideravelmente, sobretudo no que diz respeito aos turistas espanhóis. Agora são maioritariamente famílias portuguesas que procuram o interior do país e que nos procuram”, conclui.

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