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Alcácer do Sal: A história africana do Vale do Sado

Júlia Serrão (texto) e Herberto Smith (fotografia)

Cultura do arroz no Vale do Sado terá sido introduzida por “agricultores escravizados na África Ocidental”, nos séculos XVI e XVII.
Escavações no monte de Vale Lachique ajudam a perceber a história.

Vestígios materiais dos séculos XVI e XVII encontrados há dois anos no monte de Vale Lachique, durante uma primeira visita ao local, despertaram o interesse dos investigadores. “Isso significava que o monte estaria ocupado na época em que foram levados africanos escravizados para a região. Por outro lado, sabemos que o monte também foi ocupado por camponeses durante a Reforma Agrária”, contextualiza Rui Gomes Coelho, professor no Departamento de Arqueologia de Durham University (Reino Unido) e investigador do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.

Este ano, a equipa de investigadores, que lidera juntamente com Sara Simões, regressou ao local, a oeste da aldeia de São Romão do Sado, concelho de Alcácer do Sal, com dois objetivos: datar a construção do monte, “mais especificamente as casas onde viviam os trabalhadores”, e “contextualizar as evidências da vida quotidiana” do local “na história mais alargada da formação de uma comunidade camponesa, que tem origens africanas, e do Alentejo que conhecemos hoje”.

A ideia, explica, é perceber “quais os impactos ambientais do colonialismo e da escravidão” ao longo dos últimos cinco séculos. “Sabemos que estes fenómenos criaram o mundo em que vivemos. No entanto, o que sabemos sobre as mudanças concretas que deles decorreram, a sua escala e os seus impactos na vida concreta das pessoas afetadas, é muito desigual e fragmentário, e depende quase exclusivamente do que escreviam as elites e da forma como elas escolhiam representar o mundo em cada momento”, explica.

Rui Gomes Coelho faz um balanço “muito positivo” das escavações, assegurando que foi possível responder a questões “fundamentais”, principalmente acerca das origens do monte. “O monte de Vale de Lachique terá sido construído entre os finais do século XV e inícios do século XVI, um momento em que emergia o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas e em que muitas delas foram levadas para o Alentejo”, sublinha o investigador.

“Esse”, acrescenta, “é o momento em que se coloniza, porque é disso que se trata, o médio Vale do Sado e o que aparece na documentação como ‘matos maninhos’. O monte foi depois reformado no século XVIII, quando provavelmente se fez a residência principal que ainda hoje existe”.

O arqueólogo esclarece que, de acordo com a opinião de vários investigadores, o arroz terá sido “introduzido na região por agricultores que tinham sido escravizados na África Ocidental, possivelmente na região da atual Guiné-Bissau”, onde esta equipa de investigação também está a trabalhar.

Paralelamente às escavações no monte, os investigadores decidiram fazer um “levantamento” de diversas áreas da região de São Romão do Sado, com recurso a um drone equipado com tecnologia específica, para detetar “a materialidade de construções precárias, como as cabanas de caniço”, que sabem terem existido nas aldeias ou nos perímetros das grandes herdades, sendo que muita gente as habitou até meados do século XX.

Era onde viviam os camponeses mais pobres que trabalhavam nos arrozais e não possuíam a terra que tratavam e onde moravam. Rui Gomes Coelho conclui defendendo que a arqueologia “deve servir para trazer visibilidade a essas pessoas e relacionar as suas experiências com as preocupações do nosso tempo: a justiça ambiental e social”, sendo “nessa direção” que o trabalho e o projeto caminham.

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