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“A ética de (ir)responsabilidade. O mal-estar docente”

Carlos Calixto (opinião), professor na Escola Secundária de Almodôvar

Semen est verbum. (A semente é a palavra).

“Mágoa é maior que toda a paciência”. (“Carta à Rainha de Inglaterra, D. Catarina”, Roma, 1669, Padre António Vieira).

“Porque raciocinar sobre as causas e sobre os efeitos é algo de árduo (…), nós temos muita dificuldade (…), então ir para trás nos encadeamentos, por vezes muito longos, de causas e efeitos parece-me tão louco como procurar construir uma torre que chegue ao céu”. (“O Nome da Rosa”, Umberto Eco, 1980).

“A iliteracia do século XXI não será a dos que não conseguem ler e escrever, será a dos que não conseguem aprender, desaprender e voltar a aprender”. (Alvin Toffler).

As organizações são as pessoas. A organização escola vai de mal a pior. As interações entre os profissionais da Educação e Ensino, educadores e professores e o Ministério da Educação (ME), pautam-se por um mal-estar permanente provocado pela tutela, em virtude de falta de sensus intelectual, higiene mental e equilíbrio nas decisões. 

Mudanças/viradeira, governos/ministros da Educação, novas experiências e projetos, digital fartante; tudo em demasia. Trabalhador feliz produz mais e melhor. A produtividade docente com felicidade é igual a acréscimo de produtividade e melhores resultados dos alunos. A angústia garroteia o desempenho docente. “O clima de escola determina a qualidade de vida e a produtividade dos docentes e dos alunos. O clima é um fator crítico para a saúde e para a eficácia de uma escola”. (Fox, R., 1973, pp 5-6, “School climate improvement: A challenge to the school administrator”, Charles F. Kettering Ltd, Denver).  

A motivação para a profissão docente traz à colação um maior e absoluto investimento político e financeiro na educação escolar e na escola pública, com as valências de prioridade nacional e de valorização do trabalho do professor, reconhecido em termos estatutários, societais, identitários e remuneratórios. O mal-estar docente é um fenómeno/facto central que está a afetar negativamente e na plenitude, os professores portugueses. 

Multiplicam-se a intensidade e a frequência das situações de mal-estar grave dos professores, sendo determinante a componente política do problema. “A crise na profissão docente arrasta-se há longos anos e não se vislumbram perspetivas de superação a curto prazo. As consequências da situação de mal-estar que atinge o professorado estão à vista de todos: desmotivação pessoal e elevados índices de absentismo e de abandono”. (Nóvoa, A.,1991, p. 20, “O passado e o presente dos professores”, in A. Nóvoa (Ed.), “Profissão Professor”, Porto Editora, Porto).

Para estancar o agravamento das situações de mal-estar docente, as propostas e medidas de intervenção no plano  sociopolítico “(…) Poderiam contribuir para prevenir e resolver muitas destas situações, nomeadamente a revalorização da imagem social dos professores,(…) a delimitação clara e coerente das funções dos professores e um maior investimento na Educação, traduzido em salários mais consonantes com as habilitações académicas e as responsabilidades dos professores (…); não obstante o mal-estar docente ter muito a ver com o contexto ou ambiente de trabalho do professor, sendo necessário introduzir diversas alterações no plano sociopolítico (…)”. (de Jesus, S.N., 1997, pp 12-13, “Bem-Estar dos Professores – Estratégias para realização e desenvolvimento profissional”, Ed. do Autor, Coimbra).

O mal-estar docente também passa pelo facto de serem exigidas ao professor novas responsabilidades e funções, sobrecarga de trabalho e exaustão. O professorado é especializado, sendo que o sistema de ensino, a escola, depois adultera tudo isto e o professor acaba um faz tudo, “(…) o que contribui para a desvalorização de profissões mal pagas, como é o caso da profissão docente, pois a desvalorização social está ligada à desvalorização salarial. Estudos revelaram que, em Portugal, quer os professores quer a opinião pública, consideram que a profissão docente possui um baixo estatuto (Cruz Et al. 1988, idem, p 20).

Abordando a questão do mal-estar docente, impõe-se a gestão do mal-estar docente, através de estratégias de coping, enquanto formas de lidar com o problema. “É importante o estudo das estratégias de coping (significa lidar, reagir a uma situação) utilizadas pelos professores, uma vez que o grau de mal-estar (…) que estes apresentam depende da forma como lidam com as potenciais fontes desse mal-estar. (de Jesus, S.N., 1996, p 131, “A Motivação para a Profissão Docente – Contributo para a clarificação de situações de mal-estar”, Estante Editora, Aveiro). 

Todos os governos têm intenções de fazer reformas na Educação. Legislam medidas que em tese, supostamente iriam mudar para melhor a Educação. Os professores nas escolas levam com todas as mudanças, “moda após moda”, sem que o ME tenha a noção e a medida exata do que se vai passando no quotidiano da escola. No dia a dia são apresentadas medidas, publicada   legislação, aplicada operacionalização e desiderato político “mal/bem sucedido”. 

Donde, “não havendo uma cultura de avaliação das medidas de política educativa, as decisões tomadas, sem um adequado acompanhamento, acabam, muitas vezes, por produzir efeitos bastante diversos dos que foram anunciados. As discrepâncias entre a filosofia dos preâmbulos dos diplomas legais e as consequências do articulado desses diplomas no terreno – bem conhecidas dos atores reais da escola – acabam, muitas vezes, por ser desconhecidas de muitos e, em particular, dos autores das medidas legislativas”. (“O Estado da Educação pela voz dos seus profissionais – Análise dos resultados da consulta nacional da FNE”, 2002, p 7, Ed. ISET – Instituto Superior de Educação e Trabalho).

Emmanuel Lévinas, “Ética e Infinito”, (Ed. 70). Ser responsável pelo outro, o ficar face a face. A filosofia da “Alteridade, Outro e Mesmo”. Não o cogito ergo sum de Descartes, o “Penso logo existo” do Eu, do ego individual, do lado a lado, numa visão distorcida, reduzida e egocêntrica. O que Lévinas propõe é uma nova relação de responsabilidade entre Totalidade e Alteridade (do latim alteritas, “outro”, e que parte do pressuposto de que todo o ser humano social interage e é interdependente do outro, que é diferente, e que eu tenho de perceber, colocar-me no lugar do outro e entender a sua idiossincrasia, razões, dor e sofrimento, numa relação que não seja excludente e destrutiva do outro, mas integradora, de abertura e aceitação mútua. Donde, eu tenho de ver o sofrimento do outro, do meu interlocutor, tenho de ver o seu rosto. Entrar no humanum do outro e percecionar a sua humanitas. Só assim, vivenciando axiologicamente a deontologia moral, tu, eu, nós, somos totalidade, ética e infinito. Magíster dixit.

Acabou o politicamente (in)correto. O professorado, fénix de força e coragem, sabe o que quer, com a total, absoluta e abrangente razão que temos e nos assiste. É urgente e pedra de esquina, o Ministério da Educação ter esta relação afetiva e de mimo, de catarse em família, de proximidade com os educadores e professores portugueses e de negociações de boa fé e proposição assertiva com os sindicatos e federações da Educação. 

Os professores andam ansiosos, vivem em sobressalto e medo permanente com as políticas e “maldades” que o ME vai rebuscando e querendo implementar/aplicar contra a classe. Os docentes merecem mimo, memória e gratidão. Não nos revemos  num ECD cada vez mais violentado, desfigurado e alterado. Os professores estão para além do limite!  Estamos indignados e não toleramos mais a disrupção ME/Professorado. Os professores exigem justiça e ser respeitados e felizes. Obrigado professor!  

Fechamos este artigo de opinião com uma abordagem sucinta sobre as matérias que preocupam o professorado neste momento e para as quais o ME tarda em abrir processos negociais, e que muito decisivamente contribuem para o mal-estar docente. 

Donde, ser prioritário o ME ouvir os professores, dialogar e negociar com os sindicatos: Atualização salarial e recuperação do poder de compra contra o empobrecimento; recuperação e contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão em carreira versus propositura compensatória;regularização do horário de trabalho com a definição/especificação clara do que é componente letiva, componente de estabelecimento e componente individual de trabalho; alteração do atual modelo de avaliação de desempenho docente, eliminando as cernelhas no 5º e 7º escalões, pondo fim às vagas na progressão e quotas na avaliação; abertura e aumento de vagas e lugares de quadro nas escolas e agrupamentos de escola; fim/eliminação da precariedade docente e mão de obra barata;alteração do atual regime de mobilidade por doença, digno e humanista, solidário e altruísta, respeitador da saúde e dignitas dos colegas; reposição da paridade entre a carreira docente e a carreira técnica superior do Estado (topo); aprovação de um regime de aposentação ad hoc (fim específico) que permita a possibilidade de rejuvenescimento da/na profissão docente;não à ideia/“tentativa” de verter em normativo legal algumas alterações absurdas/aberrantes ao novo diploma   de contratação de professores, alocados diretores (“leiloar” professores não); afirmação do critério do Concurso Nacional e da Lista Graduada Nacional; não à gestão/municipalização do Professorado.

“Ninguém  mais  que  eu deseja a paz, mas há-de ser como convém”.(“Carta ao Marquês de Niza”, Haia, 1648, Padre António Vieira).

“A maior pena a que fui condenado é a do silêncio”. (“Carta ao Duque de Cadaval,” Coimbra, 1668, Padre António Vieira).

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