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“A Casa do Alentejo não é um enclave, sinto-me no Alentejo”

Primeira entrevista de Manuel verdugo, o novo presidente da Casa do Alentejo em Lisboa.

Ana Luísa Delgado (texto)

Quais são os principais desafios da nova direção da Casa do Alentejo?

São desafios que sempre existiram, manter esta Casa sustentável do ponto de vista económico, que ela possa desempenhar as funções que tem desempenhado até aqui… um palácio que é preciso preservar, também do ponto de vista económico e social, oque não é fácil. Em primeiro lugar há que garantir a sustentabilidade da Casa em si, do edifício, essa é a nossa primordial função. E depois, esta é também uma associação do Alentejo, é a embaixada do Alentejo na cidade de Lisboa, e tem uma função do ponto de vista da coesão social que é preciso manter, motivar e cativar os sócios, e envolver os sócios naquilo que é a sua matriz.

E que é?

A matriz da Casa do Alentejo é promover a região nas várias valências, tanto económica, como social, cultural, etnográfica… essa é a nossa verdadeira função, e queremos que ela tenha mantenha o que foi até aqui, nestes 100 anos, uma Casa sempre com uma postura e com uma intervenção cívica, do ponto de vista democrático, uma casa aberta, que se preocupa com a situação, não só do país, principalmente do Alentejo, sobre todos os pontos de vista. 

Já que falou aí no centenário, há algum significado especial a assumir a direção na sequência destas comemorações? 

É-nos deixado um legado com bastante substância e com grande responsabilidade. Esta é uma casa que comemorou os 100 anos, que herda esse património e que tem aqui, digamos, uma tarefa hercúlea, extremamente difícil, com obstáculos têm que ser ultrapassados. Do ponto de vista histórico, da maneira como a Casa está inserida na cidade de Lisboa, o que ela constitui para os alentejanos, tudo isso representa uma responsabilidade muito grande.

Quais são os principais projetos desta nova direção? 

É uma pergunta com vários planos de resposta. Este é um palácio do século XVII, um património, do ponto de vista histórico, que está classificado, e preservá-lo é sempre a nossa primeira tarefa. Preservá-lo, recuperá-lo, ainda que por vezes a gente não tenha capacidades financeiras para executar, nem sempre temos apoios. Depois, o património da Casa do Alentejo é também imaterial, que urge conservar. É também a valorização da cultura alentejana, a valorização dos concelhos que querem vir à cidade de Lisboa promover os seus produtos, promover as suas empresas. Essa é uma função que temos, tal como promover a cultura, por exemplo com a apresentação de livros. Esta deve ser uma casa de cultura e de democracia participativa, de intervenção cívica.

Qual é que é a situação da Casa do Alentejo depois de anos difíceis devido à pandemia de covid-19?

Atravessámos uma situação que foi muito complicada… este é um espaço muito procurado, não só por nacionais, também por estrangeiros, e isso é que nos sustenta, as nossas atividades são ofertas do ponto de vista gastronómico e não só, o que nos permite sustentar a Casa e as suas atividades…. com a covid-19 foi extremamente difícil, a gente correu sérios riscos de sobrevivência, mas conseguimos recuperar. Temos 40 funcionários. A Casa do Alentejo está aberta os dias todos da semana.

Peço-lhe que me fale um pouco de si, deste novo presidente. Sei que é de Sousel…

Nasci em Sousel, sou filho de um ex-trabalhador agrícola, a minha mãe era doméstica, vim muito cedo trabalhar para Lisboa, com cerca de 14 anos, portanto, tive que me agarrar às dificuldades da vida, não culpando ninguém, ninguém, pela situação económica e social, pelas dificuldades que são as minhas origens, mas tentei agarrar-me às oportunidades de ter uma licenciatura em Direito. Fiz-me à vida, mas sempre tive um sentido associativo muito forte, ao longo de toda a minha vida envolvi-me em intervenções cívicas e associativas. Estou aqui, na direção da Casa do Alentejo, já há uns anos, agora ascendi a esta responsabilidade maior, mas também sou membro de uma instituição de solidariedade social, já fui presidente de uma assembleia da freguesia em Feijó. Sou, digamos, um filho do povo, não renegando as minhas origens, respeitando-as, sempre com um sentido de trabalho coletivo.

Que memórias guarda dessa infância em Sousel?

Às vezes penso na minha rua, na minha casa, nas brincadeiras que fazia, na liberdade que tinha. O meu pai foi trabalhador agrícola, mas depois teve uma oficina de bicicletas. Eu andava de manhã à noite de bicicleta lá em Sousel. Na minha rua só havia duas pessoas, o farmacêutico e um cavaleiro, que tinham carro, mais ninguém tinha. A gente no verão deitava-se na rua, a olhar para as estrelas, até bem tarde. Aliás, a minha ligação à Casa do Alentejo tem também a ver com as ligações às minhas memórias, à minha infância. Olhe, nunca tinha visto o mar. A primeira vez que vejo água com a profundidade do Rio Tejo foi quando aos 14 anos vim para Lisboa.

Para trabalhar?

Trabalhei como aprendiz de mecânico, depois fui paquete uma companhia de navegação, andei a montar estores, sei lá, ainda andei a trabalhar nas obras. Entretanto fui atleta do Sporting. Depois ingressei no Estado, comecei a estudar e a minha evolução é toda nesse sentido.

Quando tomou posse, no seu discurso, disse que nunca deixará o Alentejo. 

Não, não deixo, eu estou no Alentejo. A Casa do Alentejo não é um enclave, sinto-me no Alentejo. Porque o meu exercício associativo aqui também resulta do contato com as Câmaras, como a de Sousel, com os grupos corais, com as pessoas que vêm. Nunca deixo o Alentejo. Eu estou no Alentejo, vivo no Alentejo, isto é Alentejo.

“LUTAR POR COISAS MELHORES”

Como é que olha para a nossa região atualmente? 

Olho com algum ceticismo, mas ao mesmo tempo com otimismo, porque a gente pode sempre lutar por coisas melhores. Ceticismo, não só do ponto de vista da desertificação, do abandono das pessoas, das pessoas que não se fixam, da falta de trabalho, da falta de emprego, do tipo de culturas que se está a introduzir no Alentejo. A gente tem que respeitar o montado, tem que respeitar ecossistema, tem que respeitar as paisagens naturais. Sim, temos que ter crescimento económico, mas não pode ser um desenvolvimento desenfreado sem qualquer critério, sem preocupação do ponto de vista ambiental.

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