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20 anos depois, Terreiro dos Atoleiros é (enfim!) Monumento Nacional

Luís Godinho texto

O Terreiro da Batalha dos Atoleiros, em Fronteira, foi classificado como Monumento Nacional. Processo arrastou-se 20 anos, entre avanços e recuos, de gaveta em gaveta, pela burocracia do Estado.

A primeira proposta de classificação foi apresentada a 5 de maio de 2003 pelo Estado-Maior do Exército, atendendo ao “valor associativo e rememorativo” do sítio dos Atoleiros, próximo de Fronteira. No dia seguinte, o então Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico (IPPAR) aprovava a abertura do procedimento de classificação. Data de 4 de outubro de 2004 a homologação do Governo ao parecer favorável à classificação emitido pelo conselho consultivo do IPPAR.

Tudo bem encaminhado? Nem por isso. Passado um ano, um mês e uma semana, o processo de classificação era revogado por um novo despacho governamental, onde se referia a necessidade de “reapreciação” de todo o dossiê, “sob o ponto de vista histórico, a fim de ser confirmado o local exato da batalha, nomeadamente através da realização de trabalhos arqueológicos de prospeção”.

Ou seja: o local deveria ser classificado (primeiro despacho); mas antes seria necessário confirmar se aquele era, de facto, o local onde em 1384 D. Nuno Álvares Pereira conduziu à vitória, sem baixas, um exército de 1400 homens contra o exército de Castela, três vezes superior em número de soldados.

Mais um ano, mais uma reviravolta. Chegados a 28 de julho de 2006, eis que o Estado Maior do Exército apresenta ao Ministério da Cultura nova proposta para a classificação do Campo Militar dos Atoleiros, numa iniciativa que incluía elementos complementares, como um levantamento topográfico, foto de interpretação e prospeção geofísica.

“Se da análise do segundo estudo surgem observações que corroboram, em termos genéricos, os dados históricos disponíveis para tentar estabelecer a localização do Terreiro da Batalha dos Atoleiros, nomeadamente através da identificação de uma via antiga pela qual os exércitos beligerantes teriam tido [sic] de passar, a prospeção geofísica permitiu assinalar cinco áreas potenciais para uma intervenção arqueológica”, refere um parecer do Conselho Nacional de Cultura datado de 2015 e homologado pelo então diretor-geral do Património Cultural, João Carlos Santos.

Pelo parecer se percebe que foi preciso esperar mais seis meses, até fevereiro de 2007, para que o procedimento de classificação fosse reaberto. Como os prazos legais já tinham sido ultrapassados, os proprietários do terreno solicitaram a sua caducidade, em novembro de 2008. E a “coisa” ficou em “águas de bacalhau” até ser retomada a 5 de fevereiro de 2010, quando uma nova proposta de classificação foi apresentada pela Câmara Municipal de Fronteira e “metida na gaveta” três anos depois, uma vez que a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) considerou não estar “devidamente fundamentada” a importância da classificação do sítio. 

“ACHADOS DE ARMAS E OSSOS”

Confuso? Bom, estamos em 2013, e ainda haverá 10 anos até que o processo seja concluído. Sem stress. Nova data: 15 de setembro de 2013. Foi nesse dia que a Comissão Portuguesa de História Militar endereçou à DGPC uma nova proposta de classificação do campo da Batalha dos Atoleiros, subscrita por personalidades como Manuel Braga da Cruz, da Universidade Católica Portuguesa, ou de prestigiados historiadores como Filipe Themudo Barata ou Fernando Correia de Pina. A proposta incluiu um novo levantamento topográfico do local, inquéritos à população “onde se referem a descoberta de diversos achados de armas e ossos”, e os elementos constantes da Carta Arqueológica de Fronteira. A 1 de outubro de 2013 o processo de classificação era aberto, reaberto ou re-reaberto, conforme se queira. 

Passado mais um ano e dois meses, novo momento importante importante: o Conselho Nacional de Cultura (CNC), “tendo em conta os antecedentes do mesmo e os doutos pareceres a ele associados”, entendeu recomendar “a continuação do procedimento de classificação, devendo para o efeito promover-se a realização dos indispensáveis trabalhos arqueológicos” que pudessem indiciar a localização do Terreiro da Batalha dos Atoleiros, “que a análise das fontes documentais, de uma forma unânime, parecem indiciar”.

Sucede que ainda em 2015, o CNC analisou o assunto, tendo ouvido fontes contraditórias. Mas uma “análise da fundamentação histórica e arqueológica” do processo dissipou várias dúvidas: “Confrontados os dados fornecidos pelas crónicas medievais (…) com as informações orais dos autóctones [sic] e com os resultados dos métodos de prospeção arqueológica (…) concluímos haver uma inusitada convergência de elementos para o mesmo ponto geográfico que se torna impossível negar”.

Ou seja, o local é mesmo aquele. Problema: o então relator, João Pedro da Cunha Ribeiro, (perdão) professor doutor João Pedro da Cunha Ribeiro, “não se opondo à classificação, que admitia ser de âmbito nacional mas como Imóvel de Interesse Púbico, opôs-se, contudo, ao grau proposto – Monumento Nacional – que considera excessivo por comparação a Aljubarrota”.

Talvez não seja a despropósito lembrar que, à época, já existiam cinco campos de batalha classificados como Monumento Nacional: o Terreiro da Batalha de Montes Claros (2012), o da Batalha do Ameixial (2011), o das Linhas de Elvas (2013), o de Trancoso (2012) e, claro, o de Aljubarrota (2010). Só o dos Atoleiros ficava a aguardar por melhores dias. Por maioria, o CNC concluiu, em dezembro de 2015, que o melhor seria classificar o Terreiro dos Atoleiros “como de interesse nacional e na categoria de sítio”.

“MEMÓRIA MATERIAL E SIMBÓLICA”

Finalmente, em 2020 (está quase!) é publicada em Diário da República a “alteração do projeto de decisão relativo à classificação como sítio de interesse nacional/monumento nacional” do Terreiro da Batalha dos Atoleiros, sendo proposta a sua classificação à (então) secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural. Eleições pelo meio. Novo titular da pasta da Cultura. Nova secretária de Estado. E eis que o Conselho de Ministros, 20 anos depois, lá classifica o local como sítio de interesse nacional/monumento nacional, por constituir uma “importante paisagem natural e histórico-cultural” que “conserva tanto a topografia original, como a memória material e simbólica” dessa batalha de 1384.

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